quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Às margens de um reflexo

Paz resultante de adventos diabólicos que outrora repousavam pacificamente ante a mesa de centro, ao lado das recordações. Repousei a pena e desfaleci sobre uma velha poltrona. Acendi um cigarro. Traguei. Pensei.

Recordo-me de tempos advindos de um plano simulado, um universo que outrem insistem em julgar como verdadeiro e absoluto, porém, de caráter meramente ludibriador. Retornei aos meus pensamentos que, entre uma divagação e outra, tornavam-se elípticos, anafóricos; sentia-me preso à uma redoma de vidro e caminhando sobre o chão repleto de medos.

O caminho – ou como alguns chamam: destino – reserva suas maiores belezas para momentos onde os efeitos providos da catarse possam resplandecer em sua aurora divina e manifestar-se sobre melancólicos corações púrpuros. Resplandeceu na aurora, sob a forma de um pequeno ser, um anjo que, sob minha atmosfera nostálgica, soube despertar o desabrochar das flores e os encantamentos dos mais belos jardins.

Interrogações são sempre pertinentes, mas existe algo de mais puro e encantador à face de um pequeno anjo que repousa sobre as nuvens da tempestade?

Infelizmente, meus pensamentos não passam de divagações meramente organizadas em níveis narrativos repletos de núcleos e catálises. Como um veneno a espalhar-se pela corrente sangüínea, são apenas sonhos que embriagam minh’alma e semeiam as turvas sementes da esperança. Malícia, esta, a que provém as sementes sem a certeza da colheita; antes eu semeasse ventos em prol da colheita da tempestade, entretanto, ventos tortuosos compõem o motivo da minha deriva.

Outrora, em um divã, recostava-me ao relento a fim de apenas refletir sobre a ousadia (in)ousada de toda a figura poética compreendida entre meus funestos pensamentos, a pena e o tinteiro: percebi, então, a extrema proximidade entre o “eu” e o “eu-autor”, mas o autor está morto, já diria Barthes, sim, no discurso o autor não passa daquele que assina; por isso, mais uma vez penso, quem sou eu a escrever? Quem é o eu que escreve? Apenas a linguagem me dominando e fazendo-se escritura?

Sobreponho minha imagem sobre uma antiga foto, reparo em todas as mudanças, percebo apenas a existência do único traço em comum a tudo, uma singela pena, um pequeno tinteiro. Escritura, minha pessoal escritura da diferença, e não que a ordem do discurso venha a alterar quaisquer intertextos por mim traçados, mas debruço-me sobre pequenas observações e percebo que a lua, povoada por ovos, apenas espreita-me com um olhar significativo e ressoa em suas melodiosas palavras:

- Não penses, tu, que meus olhos não te enxergam, não esqueças, cá estou eu.

E minha significativa olhada apenas representa tudo o que sou; apenas mãos que escrevem, dominado pela mentalidade e pela linguagem, eu apenas cedo às doces tentações das palavras e as coisas.