Mais uma vez me pego sem sono. Ébrio pela insônia
paro e penso sobre constantes coisas e tantas outras coisas determinantes e
indeterminantes na vida. De uma forma, ou de outra, acabo chegando nunca a um
denominador comum ou a uma conclusão plausível sobre qualquer assunto. A
temática é perversa e cruel, sempre desdobra-se sobre o entreposto sentimental
e nunca dá real espaço para uma saída estratégica que me leve, de forma direta,
ao sono profundo e acalentador.
Foi em uma noite assim: o céu estrelado e a lua
brilhando pela janela, mais uma noite ouvindo “Solsbury Hill”. Mais uma noite
de atordoamentos providos pelo âmago ébrio e solitário que em mim encontra-se
alojado.
Assim, percebo certas coisas, coisas certas e coisas
incertas, pesares amplamente não especificados, todos apenas escondidos sob o
véu de todas as artimanhas do passado e de todas as incertezas do futuro, sem
falar, claro, de todo o mistério que envolve o presente.
Diferente de toda a significação de qualquer exercício
previamente descrito, deixo de lado o enunciado prescritivo e penso em uma
pequena divagação posterior a uma pequena introdução, claro, para todo o
sentido ser plenamente claro, eu deveria, supostamente, começar esse texto
dizendo “Jamais esquecerei do dia em que...”, mas subverto a norma, felizmente
o poder concedido a mim, narrador desse pequeno texto, me é garantido o poder
de começar como bem entendo, ou não; pode ser que esse seja apenas eu enganando
a mim mesmo, crendo ter algum poder sobre qualquer lógica ou razão, por mais
ilógico ou irracional que o poder seja. No entanto, não passaria de uma simples
divagação se assim o poder a mim concedido provisse ao ardor da tecitura de um
texto sem sentido e sem razão alguma de existir.
Jamais esquecerei do quão complexo é o poder de todo
e qualquer pensamento, assim como jamais esquecerei do dia em que fumei meu
primeiro cigarro. Sim, um cigarro, um pequeno objeto, a leve fumaça e um
turbilhão sinestético.
Lembro-me de tal fato, pois, de fato, o último cigarro
terminara de queimar instantes atrás, ato tolo, sim; desprovido de sentido?
Não.
Mais uma vez, tento manter a ordem sobre toda a
conjuntura dos pensamentos que me acometem desde o momento em que a chama
acende o cigarro até o momento final. Jamais esquecerei o dia em que fumei meu
primeiro cigarro, primeiro de muitos, claro; nesse dia eu tracei o que seria,
futuramente, minha maior perdição e minha salvação, talvez meu consolo na busca
pela sanidade. Enfim. A regra sempre permite uma excessão. Fora logo após o sexo,
por meses havia a mesma oferta, corpos saciados, desejo e anseio pela mesma
sensação que apenas a nicotina é capaz de prover. Naquela noite a regra teve
sua excessão, não recebi a oferta, me senti, de certa forma, abismado com a
sensação da necessidade de ver o mesmo gesto; ali, naquele instante, de forma
insana eu precisava de um cigarro.
Diferente de todas as outras vezes: minha vez, eu
pedi o cigarro; clamei pelo direito de ser ofertado, clamei por um pequeno e
vulgar gesto. O segurei entre os dedos – confesso que receoso – tomei o
isqueiro e o acendi. Primeiro o leve engasgar, depois uma sensação que eu
jamais serei capaz de descrever, seria como tentar criar uma réplica de alta
qualidade da Barca de Dante, de Eugène Delacroix, com os olhos fechados, sem
modelo e pintando com os pés. Próximo a isso, creio eu.
Senti-me envolto por um suave mar em forma de
neblina, ou apenas neblina, a fumaça é tóxica, todos sabem. Não foi um trauma,
não foi uma experiência negativa, finalmente eu pude sentir o prazer que por
anos eu ouvi todos os fumantes tentaram descrever. Qualquer descrição era
apenas um emaranhado de fumaça pairando sobre suas mentes nicotinadas.
Para mim, o ato de fumar sempre demonstrou charme,
luxo, estilo. Claro, todos os esteriótipos que a indústria do tabaco queria
impor aos fumantes, impôs a mim, também, não os julgo, os julgo, na verdade, em
demasia inteligentes; conseguiram fazer coisas que ninguém jamais fora capaz de
fazer. Cada um recebe por aquilo que planta.
O ato não findou-se por aí, lembro de ter fumado
outros cinco ou seis, logo em seguida. Qual o objetivo? Qual a análise tão
profunda sobre um ato recalcado por anos? Não há objetivo, assim como não há
análise alguma. Tudo apenas é outro simulacro criado pela mente perturbada, eu
poderia pensar em milhares de motivos para tentar convencer todos a fumar, mas
para mim, será inesquecível a sensação, o prazer. O gesto, hoje em dia,
tornou-se muito mais nostálgico e saudosista, tornou-se um prazeroso hábito.
Muitas vezes, o cigarro, assim como o sexo, apenas contagia o corpo por alguns
instantes, poporciona fulgor à alma, intercala o demasiado prazer à demasiada
necessidade. Qual o fruto de tudo isso? Qual a razão para, constantemente,
levar um cigarro à boca?
A resposta encontra-se previamente formulada em
qualquer língua fumante, para qualquer pessoa conhecedora do prazer de um
pequeno cigarro a resposta é simples, mesmo que obscura, o cigarro dilata o
espaço-tempo, cria uma espécie de câmara que possibilita em aproximadamente cinco
ou sete minutos pensar sobre uma vida inteira, uma série de atitudes e gestos
que, sem ele, seriam simplesmente inimagináveis. Complexa a forma de pensar,
sim, incoerente, jamais. Pelo menos para mim.
Então, qual a razão para ser inesquecível? Será um
trauma de infância?
Nem
todo o trauma deveria ser pensado de forma negativa, pelo menos eu penso assim,
hoje sou capaz de refletir sobre indeterminadas quantidades de coisas que
outrora eu jamais fora. Destarte sou capaz de usufruir das minhas próprias
divagações, também sou capaz de perceber que não sou adepto às mais derivadas
teorias de que o cigarro apenas faz mal, tudo bem, ele não é de um todo
saudável; ele faz bem a mim.
O grande sarcasmo desse cenário chamado vida é a
simples persuasão de todos os fatos, existe razão para pensar no cigarro,
quando milhares de outras ideias simplesmente brotam aos dedos? Não. Não há
razão alguma. Seria irracional apenas perceber o amplo sentido de um texto de
caráter reminiscente. Porém há um vazio inóspito, consideravelmente grande, e
capaz de atribular o mais pacífico de todos os pensamentos.
Meu primeiro cigarro será inesquecível, assim como
aquela noite, assim como todo o prazer a mim concedido naquela noite. A
sensação do inesquecível também não será esquecida, por mais que seja uma
sensação comum e corriqueira, é impossível esquecê-la, ela apenas encontra-se
fadada dentro de outras sensações. E o cigarro? Continuou queimando durante
toda a escritura desse texto, tornando-o, também, inesquecível.