segunda-feira, 18 de junho de 2012

Memória De Um Passado Presente. [Padrinho]


Faz um ano. Muito mudou e nada mudou. Paira na memória, agora, apenas a lembrança de algo já muito distante. Apenas uma névoa, apenas um simples fragmento. Fora tudo tão conturbado, tão desesperador. Lágrimas posteriores a uma ligação absurda. O final triste de uma festa “feliz”.
Quando me pergunto onde repousa a paz; outrora a resposta seria simples, far-se-ia não mais do que necessária uma ou duas palavras; em um ano tudo mudou. Mudou de forma abrupta, mudou sem nada, na verdade, ter mudado. Expirou. Evanesceu da mesma forma como a palavra logo após ser proferida. Escreveu-se em uma lápide mais um epitáfio, mas nada mudou. A vida seguiu em frente [ou não].
Resplandesceu em algumas nuvens a saudade, a lembrança, a memória, – se não fosse por Mnemosine, o que seria de nós? – foi possível manter vivo o que já sofrera o passamento e que, entretanto, “vivo”, não permanece.
Estranho pensar naquele que, na ausência, assumiria o lugar. Mais estranho é pensar a própria semelhança e ser capaz de olhar no espelho o resto “vivo” que resulta apenas na imagem; fitar as velhas fotografias e tentar impedir a sensação do “choque” vir à tona; o mesmo choque de um ano atrás, sem mudar nada.
Ter a imagem apenas como vislumbre da pequena possibilidade do congelamento do tempo, mas não rever, potencialmente, a matéria: a angústia e o pânico tomam conta, inclusive, da mais pacífica mente. É estranho – unheimlich – perceber o ceifador espreitando sempre o de aparência mais forte. A sensibilidade é implícita à própria distância que, mesmo ao não ver, é capaz de, diariamente, fazer-se presente e lembrar do tempo cuja presença da ausência ainda previa a existência. Na mudança do tempo, essa ausência presente apenas reitera a “não mais existência”.
No final, o resto é apenas saudade e algumas fotografias velhas, para que sempre seja lembrado. E sempre fará falta uma ligação no dia de meu nome.
 A.L.F. (Padrinho, Tio, Pai, Irmão, Filho, Marido, Amigo.)

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Memória [enfumaçada].


Mais uma vez me pego sem sono. Ébrio pela insônia paro e penso sobre constantes coisas e tantas outras coisas determinantes e indeterminantes na vida. De uma forma, ou de outra, acabo chegando nunca a um denominador comum ou a uma conclusão plausível sobre qualquer assunto. A temática é perversa e cruel, sempre desdobra-se sobre o entreposto sentimental e nunca dá real espaço para uma saída estratégica que me leve, de forma direta, ao sono profundo e acalentador.
Foi em uma noite assim: o céu estrelado e a lua brilhando pela janela, mais uma noite ouvindo “Solsbury Hill”. Mais uma noite de atordoamentos providos pelo âmago ébrio e solitário que em mim encontra-se alojado.
Assim, percebo certas coisas, coisas certas e coisas incertas, pesares amplamente não especificados, todos apenas escondidos sob o véu de todas as artimanhas do passado e de todas as incertezas do futuro, sem falar, claro, de todo o mistério que envolve o presente.
Diferente de toda a significação de qualquer exercício previamente descrito, deixo de lado o enunciado prescritivo e penso em uma pequena divagação posterior a uma pequena introdução, claro, para todo o sentido ser plenamente claro, eu deveria, supostamente, começar esse texto dizendo “Jamais esquecerei do dia em que...”, mas subverto a norma, felizmente o poder concedido a mim, narrador desse pequeno texto, me é garantido o poder de começar como bem entendo, ou não; pode ser que esse seja apenas eu enganando a mim mesmo, crendo ter algum poder sobre qualquer lógica ou razão, por mais ilógico ou irracional que o poder seja. No entanto, não passaria de uma simples divagação se assim o poder a mim concedido provisse ao ardor da tecitura de um texto sem sentido e sem razão alguma de existir.
Jamais esquecerei do quão complexo é o poder de todo e qualquer pensamento, assim como jamais esquecerei do dia em que fumei meu primeiro cigarro. Sim, um cigarro, um pequeno objeto, a leve fumaça e um turbilhão sinestético.
Lembro-me de tal fato, pois, de fato, o último cigarro terminara de queimar instantes atrás, ato tolo, sim; desprovido de sentido? Não.
Mais uma vez, tento manter a ordem sobre toda a conjuntura dos pensamentos que me acometem desde o momento em que a chama acende o cigarro até o momento final. Jamais esquecerei o dia em que fumei meu primeiro cigarro, primeiro de muitos, claro; nesse dia eu tracei o que seria, futuramente, minha maior perdição e minha salvação, talvez meu consolo na busca pela sanidade. Enfim. A regra sempre permite uma excessão. Fora logo após o sexo, por meses havia a mesma oferta, corpos saciados, desejo e anseio pela mesma sensação que apenas a nicotina é capaz de prover. Naquela noite a regra teve sua excessão, não recebi a oferta, me senti, de certa forma, abismado com a sensação da necessidade de ver o mesmo gesto; ali, naquele instante, de forma insana eu precisava de um cigarro.
Diferente de todas as outras vezes: minha vez, eu pedi o cigarro; clamei pelo direito de ser ofertado, clamei por um pequeno e vulgar gesto. O segurei entre os dedos – confesso que receoso – tomei o isqueiro e o acendi. Primeiro o leve engasgar, depois uma sensação que eu jamais serei capaz de descrever, seria como tentar criar uma réplica de alta qualidade da Barca de Dante, de Eugène Delacroix, com os olhos fechados, sem modelo e pintando com os pés. Próximo a isso, creio eu.
Senti-me envolto por um suave mar em forma de neblina, ou apenas neblina, a fumaça é tóxica, todos sabem. Não foi um trauma, não foi uma experiência negativa, finalmente eu pude sentir o prazer que por anos eu ouvi todos os fumantes tentaram descrever. Qualquer descrição era apenas um emaranhado de fumaça pairando sobre suas mentes nicotinadas.
Para mim, o ato de fumar sempre demonstrou charme, luxo, estilo. Claro, todos os esteriótipos que a indústria do tabaco queria impor aos fumantes, impôs a mim, também, não os julgo, os julgo, na verdade, em demasia inteligentes; conseguiram fazer coisas que ninguém jamais fora capaz de fazer. Cada um recebe por aquilo que planta.
O ato não findou-se por aí, lembro de ter fumado outros cinco ou seis, logo em seguida. Qual o objetivo? Qual a análise tão profunda sobre um ato recalcado por anos? Não há objetivo, assim como não há análise alguma. Tudo apenas é outro simulacro criado pela mente perturbada, eu poderia pensar em milhares de motivos para tentar convencer todos a fumar, mas para mim, será inesquecível a sensação, o prazer. O gesto, hoje em dia, tornou-se muito mais nostálgico e saudosista, tornou-se um prazeroso hábito. Muitas vezes, o cigarro, assim como o sexo, apenas contagia o corpo por alguns instantes, poporciona fulgor à alma, intercala o demasiado prazer à demasiada necessidade. Qual o fruto de tudo isso? Qual a razão para, constantemente, levar um cigarro à boca?
A resposta encontra-se previamente formulada em qualquer língua fumante, para qualquer pessoa conhecedora do prazer de um pequeno cigarro a resposta é simples, mesmo que obscura, o cigarro dilata o espaço-tempo, cria uma espécie de câmara que possibilita em aproximadamente cinco ou sete minutos pensar sobre uma vida inteira, uma série de atitudes e gestos que, sem ele, seriam simplesmente inimagináveis. Complexa a forma de pensar, sim, incoerente, jamais. Pelo menos para mim.
Então, qual a razão para ser inesquecível? Será um trauma de infância?
Nem todo o trauma deveria ser pensado de forma negativa, pelo menos eu penso assim, hoje sou capaz de refletir sobre indeterminadas quantidades de coisas que outrora eu jamais fora. Destarte sou capaz de usufruir das minhas próprias divagações, também sou capaz de perceber que não sou adepto às mais derivadas teorias de que o cigarro apenas faz mal, tudo bem, ele não é de um todo saudável; ele faz bem a mim.
O grande sarcasmo desse cenário chamado vida é a simples persuasão de todos os fatos, existe razão para pensar no cigarro, quando milhares de outras ideias simplesmente brotam aos dedos? Não. Não há razão alguma. Seria irracional apenas perceber o amplo sentido de um texto de caráter reminiscente. Porém há um vazio inóspito, consideravelmente grande, e capaz de atribular o mais pacífico de todos os pensamentos.
Meu primeiro cigarro será inesquecível, assim como aquela noite, assim como todo o prazer a mim concedido naquela noite. A sensação do inesquecível também não será esquecida, por mais que seja uma sensação comum e corriqueira, é impossível esquecê-la, ela apenas encontra-se fadada dentro de outras sensações. E o cigarro? Continuou queimando durante toda a escritura desse texto, tornando-o, também, inesquecível.

terça-feira, 20 de março de 2012

Carta.

O texto a seguir é fruto de um "exercício de criação literária" da disciplina de Estudos Literários III - Literatura,  Memória e Subjetividade, ministrado pela Professora Doutora Tânia de Oliveira Ramos no curso de Letras - Português da UFSC.
A ideia básica do exercício fora criar uma narrativa de cunho memorial, esse texto deveria partir da perspectiva feminina da personagem "Conceição" do conto "Missa Do Galo", de Machado de Assis.





Rio de Janeiro, 24 de Dezembro de 1869.


Senhor Nogueira.
Muitos anos se passaram desde nossa última conversa. Lembro-me claramente de cada instante daquela noite, sim, as circunstâncias eram outras e fomos, de súbito, interrompidos pelo horário da missa. Pensemos o quão irônica é a vida, cá estou, oito anos passados, escrevendo-lhe, pois recordo-me como se fosse ontem.
Prendia-me, naqueles tempos, às pudicicias de uma dama, claramente não seria capaz de descrever a qualquer outra pessoa todas as sensações daquela noite. Os tempos eram outros, mas tudo se faz diferente, daquele dia os tempos vindouros semearam a paz do meu espírito e desfizeram as correntes que me prendiam.
Enquanto escrevo, me questiono constantemente sobre quais seriam os pensamentos que terás, posso afirmar, de forma primeva, hoje sou viúva, essa talvez seja a mais forte razão pela qual te escrevo, não me encontro mais banhada pela vergonha dos adultérios de meu falecido marido, sou, de certa forma, livre. Mas peço que poupes os julgamentos.
É bem verdade que naquela noite, meu marido se ausentara para seu passeio no “teatro”, mesmo consciente dos adultérios, afoguei todo o ciúme e a angústia em um poço e o tampei com uma pedra. Porém, chegaste e me deste atenção, me senti como envolta em teus braços, naquele momento eu era sua e seria capaz de fazer tudo o que me fosse pedido. Enquanto minhas mãos apoiavam minha cabeça, eu o fitava como um príncipe capaz de me resgatar, fora como uma paixão arrebatadora duradoura de apenas alguns momentos.
Ainda me lembro do meu manto pudico, das máscaras de outrora, também me lembro do desenho dos teus lábios, lembro-me do desejo de querer ser sua; temo tais palavras, caminho sobre um terreno bastante complicado, o desejo. Mas eu imaginei, Senhor Nogueira, imaginei tuas mãos tocando meus joelhos, tua boca tocando minhas mãos. A missa daquela noite fora diferente, me encontrava emersa em um líquido pecaminoso chamado desejo, daquela noite em diante eu não merecera mais nome de santa, mesmo não me arrependendo jamais de tais ímpios pensamentos. Fui frívola, bem sei, mas resguardo a mim o sentimento de ter desejado o senhor.
Hoje não posso reclamar da vida, fui afortunada ao te conhecer, percebi o quanto me prendia aos conceitos pré estabelecidos desta sociedade criada por homens, é raro perceber isso até recostar-se no leito de morte. Sim, a tuberculose tocou meus pulmões, creio que, também, agravada pela sífilis passada a mim pelo finado meu marido. Desejo a ti uma vida longa e próspera, rogo para não seres tocado por terríveis enfermidades e rogo, também, para que, de alguma forma, sempre tenhas alguma recordação daquela
noite. Já é hora da missa, no entando não conto nem com a tua presença, nem com saúde suficiente para rezar. Lembre-se de mim como aquela a ter coragem de escrever tal carta, não como a moribunda que não teve coragem de tomá-lo nos braços.


Com carinho,
Conceição.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Espólio


Talvez seja necessário, em toda a sua aleatoriedade, transformar em escritura pensamentos outrora traçados. Entretanto a persuasão das idéias, é, em demasia, apenas interlocução de memórias previamente estabelecidas.
“Memória” é apenas um termo tão vulgar quanto o retrospecto que é delineado sob o véu da libido. A divagação apenas se constrói sobre a relação completamente binária entre memória e esquecimento. Milan Kundera previamente advertiu a todos quanto a necessidade do esquecimento. - o afã de caminhar para longe de uma memória; e é assim que funciona, quando algo ruim acontece, tenta-se, das mais desesperadas formas, correr para longe, “esquecer”.
O julgamento pode ocorrer, através da leitura, apenas embalsamado pela  “estrutura de tudo”, porém, a busca não é por lógica, sentido ou estrutura, inversamente contrária, nesse efeito, a busca pela lógica é inexistente, pois não há padrão nas memórias, tampouco estruturas tangíveis.
A imagem sempre foge aos limites da mente; assim que a imagem é narrada, se é dado fim à toda reminiscência. O fato apenas torna a ocorrência tangenciável, então as paranóias da memória se transmutam em seres autônomos capazaes de despertar, em momento ruins, o ideal de acalento – Mnemosine e suas artimanhas.
O desesperado rugir da fuga embeleza-se por entre as memórias e esconde-se entre as mais belas árvores de folhas vermelhas e olhos cravados no tronco, outra vez a fuga contempla-se como ideal artístico e emudesce, fustigada pelo eterno referencial. E a memória se desfaz, eleva-se no espaço/tempo e cria outra atmosfera, essa atmosfera representa a busca doentia e atroz, a lembrança, pois é o unico espólio da vida.