terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Espelho no teto.

Obtuso à imagem de si, no lusco-fusco onde retrai sua própria existência para então a distender em direção a outrem. Reflexo da escolha no ato do encontro entre nos nossos corpos encolerizados de tesão. Como fogo a crepitar sob uma garrafa de gasolina, é dessa forma que esse olhar pedante observa o tirar das tuas roupas.
Teus cabelos em chamas a cortar o ar como um espetáculo de fogos de artifício; e é no reflexo do espelho que tua imagem se torna infinita e desdobra-se ad aeternum. Resplandece no teu pouso em leito ímpia embriagar-se no no ébrio corpo que penetra teus sentidos e derrama em ti o gozo eterno.
Eis, entre tua pele e teu sexo, entre tua alma e teus amores onde repousa pacífico o tênue limiar entre a dor e o prazer; lugar donde, pelo espelho, vejo o sangue rubro a escorrer em carne e desfolhar na dor nossa sinfonia de prazeres.

Perverso o olhar que te encara. Regado ao escárnio da tua pergunta – Quem é tua dona? – debochado e petulante olhar que penetra tua alma e te estremece ao peso do próprio gesto. E é nesse lugar, no espelho, onde se dissipa a essência ultra-sensual, o amor dos nossos corpos percorre a alma em um piscar de olhos.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Do nefasto ao impropério da jovialidade

Aventureiros ou, também chamados, ladrões de tumbas sempre faziam suas riquezas nas épocas de intensa enfermidade, alguns eram nobres e outros apenas compunham a grande massa, os pobres. Talvez, se a prostituição é a mais antiga forma de trabalho para a mulher, com quase toda a certeza, o roubo o era para os homens.
            Afora bandidos comuns, aqueles desprovidos de audácia e técnicas de subterfúgio, existiam os ladrões que possuíam algum tipo de especialidade, um desses grupos eram os ladrões de tumbas. Estranho pensar dessa forma, mas a época conceitualizou bastante o grau de dificuldade e “nobreza” desta “profissão”. Os padres, figuras representativas de Deus, detinham o poder sobre as mentes e riquezas de quase todos. O misticismo ordenava a vida das pessoas; tumbas, sarcófagos, mausoléus eram, praticamente, lugares amaldiçoados. Os nobres eram sempre enterrados com suas jóias e em seus mausoléus repousavam seus pertences mais valiosos, é nesse ponto que começa a história.
            Johnnie era um destes andarilhos, nasceu sob o véu da pobreza, tinha seu pai com os olhos vazados e sua mãe provia o alimento de uma pequena horta no fundo da casa. Os feudos exarcebavam todo seu poder e riqueza, os nobres enclausuravam-se em seus aposentos, pois temiam a praga e os plebeus.
            Aos dezoito anos completos,  Johnnie perdeu seus pais para a praga. Enterrados em cova rasa – por sorte, pois muitos não tinham tamanha benção e eram empilhados dentro de um buraco - , o (sobre)vivente não tinha mais escolha, o mundo devastador e cruel o chamava para a morte. Como a maioria dos pobres, não tinha instrução alguma, contava apenas com seu grande porte, sua perspicácia e seu carisma, as únicas armas que, no momento, nosso herói dispunha, além de um pequeno punhal, contudo, de fato, nem como arma o pedaço de metal podia ser classificado.
            Com a Europa, quase em sua totalidade, devastada pela praga, empregos já não mais existiam, as poucas mulheres saudáveis vendiam seus corpos por qualquer moeda de ouro e os soldados temiam por invasões.
            Em uma taverna quase vazia, um homem encapuzado estava sentado em um dos cantos, fumava de um cachimbo longo e curvilíneo, ninguém o conhecia e muitos o temiam, de fato a aparência era assustadora. O homem tem sua atenção chamada enquanto o rapaz adentrava o lugar.
            - Sente-se aqui, rapaz. Anda, senta. É seu tipo mesmo que procuro.
            - Meu tipo? O que queres? Não o conheço.
            O sorriso carregado de ironia já era prelúdio do que esperava o jovem. Não que um sorriso carregado de ironia sempre esconda más intenções, mas com certeza boas não eram.
            - Nomes não interessam, meu jovem. Apenas quero lhe oferecer um trabalho honesto. Os tempos são negros e, pelo seu jeito, não tens de onde tirar o pão para comer. Qual trabalho não é honesto quando se trata de encher a barriga?
            Adiante da conversa, pois não se faz tão necessária. Mesmo com um porte majestoso, o rapaz teve qualquer erudição e boa retórica ceifadas pela pobreza... Johnnie consternado com a oferta segue seus pensamentos e se despe de toda sua pudicícia e medo. O homem tinha razão, em tempos de doença e fome nenhum trabalho é desonesto. Mas a idéia de violar o templo dos mortos lhe soava por demais macabra, claramente, com criação católica um menino temente a Deus, em sã consciência, não aceitaria sem mais demoras tal idéia. – O dinheiro falara-lhe mais alto.
            Incumbido de sua primeira “missão”: As pérolas da condessa. Para Johnnie tudo parecia simples, superados os medos, era apenas entrar no mausoléu, abrir o caixão, retirar do pescoço da falecida as pérolas, sair sem deixar rastros e o dinheiro saciaria sua fome.
            Chegada a noite do grande momento, os mais nefastos pensamentos tomavam conta da cabeça deste herói. O medo causava repulsas, a vontade de vomitar era constante. O temor de cemitérios lhe era constante à luz do dia, quem dirá a noite, momento em que as almas estão à solta.
            O cemitério era grande e repleto de mausoléus, no caminho algumas sepulturas violadas, esqueletos revirados sob a terra, ratos; cada ícone desta moldura era um peso na balança do terror. O céu estava nublado e havia prelúdio de chuva. O ladrão novato seguia firme, poupava-se dos tremores que os ratos lhe causavam, andava pelas sombras e o mais rápido que podia. O coveiro morava em um casebre ao lado do cemitério e essa era uma das preocupações mais salientes.
            Após alguns minutos de caminhada, Johnnie chega ao passadiço do mausoléu. O tamanho do lugar era maior do que a casa em que viveu sua vida inteira, - antiga casa, pois depois do passamento de seus pais a casa havia sido queimada, afim de não restar nada da peste. A arquitetura gótica do lugar causava-lhe pânico, por anos a igreja lhe serviu de abrigo dos invasores, e agora ele é o invasor. Empurrou a porta. Ao adentrar o recinto sentiu um agradável aroma de lírios e jasmins que enfeitavam a sepultura da condessa, inebriado, o ladrão percorre os quatro cantos do mausoléu. Aturdido pelo aroma e beleza do lugar, senta-se no chão e divaga sobre as belezas da nobreza.
            Findada sua divagação, ele levanta e observa o caixão por alguns minutos. Admira a beleza de todas as coisas que a riqueza provém. Estático pensa se o que estava a fazer é certo; afasta os pensamentos e mantém seu foco no que lhe é, realmente, importante.
            Abre a tampa do caixão, o frio permitira ao corpo manter-se inteiro, não havia mau cheiro; sob a mortalha o semblante mais se assemelhava a imagem de uma boneca, tamanha era a perfeição daqueles traços, o cheiro da pele, as roupas. A pele branca facilmente confundir-se-ia com o branco dos lírios e jasmins que enfeitavam o mausoléu. Ele não conseguia desviar o olhar daquela beleza encantadora, jamais vira uma dama tão linda, jamais fitara tamanha beleza. Seus pensamentos voltaram-se apenas para a serena nuance daquela bela que logo após ser desposada padeceu à febre.
            O desvario do rapaz se torna visível às almas penadas que por ali caminhavam, uma sensação tomou conta daquele corpo, até então, inocente. Não resistindo ao impulso, Johnnie toma nos braços a defunta beijando sua tez, o pescoço. Coloca o sudário no chão e repousa o corpo sobre o tecido. Se despe das roupas – o frio não era mais problema agora – retira vagarosamente cada peça de roupa da falecida; absorto pela visão daquele magnífico corpo, se entrega aos beijos incansáveis. Fora como se a vida tangesse novamente a condessa que, nos braços daquele necrófilo punguista, tinha sua morte violada e seu ventre preenchido pelo líquido seminal de um ladrão.
            Debruçado sobre o corpo da condessa, ainda sofrendo de tremores, o necrófilo desvairado retoma a plenitude de suas faculdades mentais – que de plenas só possuem a insanidade – e percebe seu louco desvario. Foi como se a peste o acometesse, como se o fel se derramasse sobre seu sangue e tocasse o cérebro; despido, incontrolável. O jovem padecia sobre seu próprio veneno.
            Inconformado com tamanha atrocidade saca o punhal herdado do pai, desfaz-se de sua própria vida... Seu sangue inebriado em volúpias se esvai. Suas últimas palavras: - Ao lado da única que amei.

            Talvez pareça tolo, mas é fato que essas atitudes eram comuns entre os ladrões de tumba, muita vezes o frio acalmava a peste e mantinha corpos intactos. Era a maneira de saciar a libido e esconder-se da inquisição, pois essa nem os julgava, apenas condenava a fogueira. Pouco se sabe sobre estes ladrões, a fama não passava de algo escondido sob os tapetes de um submundo criminoso instaurado na época, nomes jamais eram revelados. Grande perda para a história, pois quando a peste negra atacou a Europa, além dos nobres, eram os ladrões e as prostitutas que moviam a economia.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Inação

Coisa. O verbo não verbo de sua própria impureza. E então o verbo, logo vida. O finito infinito do fim, eis sua morte. Tudo estático no imenso vazio, flores sem vida, rios igualmente sem vida, silêncio. A imensidão do tédio no mundo inanimado das coisas vivas. Uma camada plástica, apenas maquiagem, máscaras, sufocamento, arrepios. O sangue morno no rosto, um calafrio.
Crime. A ação e morte no mesmo lugar do eterno.
O sopro, o verbo, a força das pás elétricas. Ele voltou, temos verbo.