sexta-feira, 4 de julho de 2014

Polisipo

Fiz e refiz os mais diversos embalos e sorrisos, criei tantas barreiras que hoje formam um labirinto sem fim, sem rumo, sem destino, apenas uma entrada e nenhuma saída. Os corredores todos levam a lugar algum, as paredes sólidas todas iguais, da mesma textura, todas tão cinza-escuro. E nada se move lá dentro. Apenas mais um lugar dos tantos. Tantos anos perdido nesse labirinto inconclusivo e banhado de esperança, não não, nesse lugar não há esperança, alguns dizem que a esperança é verde e cinza-escuro jamais será verde. Não importa, não mais.
Nem todas as paredes são tão altas ou lisas que não possam ser atravessadas, mas nem tudo é como um passe de mágica, as vezes as portas de saída estão apenas escondidas em determinados espaços, basta apenas um pouco de luz ou algo assim, também não sei ao certo, os dias são interpelados por tantos mistérios tão alheios à minha capacidade de compreensão, também não me importo, aliás, mistérios nunca me importaram tanto, ou importaram, não faz sentido discutir sobre isso. E há tantas coisas por trás dos olhos, incontáveis e infinitas e ser tragado por eles é uma sensação nova e surpreendente, diferente, misteriosa.
De repente tudo muda, os rios mudam de direção, o mar se acalma e as gaivotas somem da objetiva, no mesmo repente existe tanta paz incapaz de ser descrita. O espelho no final do corredor muda noutro reflexo tão de mim, no entanto, mais bonito. E na rua, sem lenço e sem documento, meus passos leves transitam entre a multidão e sinto o ar gelado me tocando a tez, tudo se dissipa e sigo caminhando. Os cafés se encheram de vida na vertigem crescente dessa tão constante presença, que de mim bebe tantas coisas boas.
Em saturno tudo é muito mais fluido, eu fico absorto ante a presença. O respaldo me empalidece, me estremece, num repente e tudo parecia tão perdido e vazio, eis a mais poética de todas as cenas, ali, diante dos meus olhos, aquele quadro que urgia por ser lido, observado, admirado. O fiz sem temer consequência alguma, uma pintura tão surrealista como a minha, livre ao vento tragando a vida e baforando a imensidão de tanto nada quanto eu. Tempos depois senti uma explosão mista entre napalm bruto, - você sabe, napalm, gasolina com serragem e glicerina, assim que se faz napalm e eu aprendi com Tyler Durden – e um balão cheio de confeitos. E tudo ficou doce.
No caminho de volta nem percebi as paredes, tampouco cinza-escuro. Estranho como saltos temporais são derradeiras para a fluidez, mas rios não correriam tão belos se em algum momento não houvessem cachoeiras. Numa dessas eu desci como quem brinca com água, não me importei com pedras no caminho e nem nada, afinal, a parte de ser nada, tenho todos os sonhos do mundo e isso basta. Não, não apenas isso, mas tantas coisas simplesmente bastam, um beijo, um carinho, um abraço, bastam e depois fica a vontade de querer mais e isso basta. Basta querer mais pro napalm ter efeito completo, tudo aceso, as velas e tantas outras coisas, uma chama bem maior, inexplicável, intrínseca ao caminhar pelas calçadas, pela rua, pela praia. Também basta essa chama e as paredes se desfazem e abrem portas.
Sendo assim, nesse mundo de tão poucas portas eu abri e deixei entrar, me permiti, permiti a vida ser fluida, dei espaço a saturo, dei espaço a ela e simplesmente permiti. Apenas a imensidão do meu pequeno mundo de porta e janela, tão cheio de mim, inundado por ti. Entre minhas tantas notas e anotações, excertos e abstrações eu procuro um final adequado para as linhas desse texto, mas não o quero, não vejo o fim; e isso basta, continuidade é tudo.

Refaço, faço, desfaço, dobro e desdobro. Continuidade, fluidez mesmo turbulenta. Eu não quero o fim...