terça-feira, 4 de novembro de 2014

Carta

Vó.

Há tempos penso em te escrever, parece que nunca há tempo ou a memória simplesmente se esfacela, eu não sei explicar ao certo, não importa, agora há tempo e me fervilham ideias. Faz tempo que não te escrevo, recordo de uma carta tão longínqua onde eu contava coisas tão tolas, talvez tão tolas quanto as que eu te escrevo agora, enfim.
Tem tanta saudade nesse meu coração, não há um dia em que eu não sinta tua falta ou que não sejas lembrada, esta minha memória tão boa as vezes me é um pesadelo. Faz algumas noites que eu sonho com a senhora, sonhos confusos e perdidos, não os tenho tão frescos à superfície das lembranças, mas eles voltam e revoltam e fazem tantas voltas...
Sinto saudade de quando sentávamos para tomar café, aquelas verdadeiras sessões de terapia profundamente mútua; quantos segredos meus levaste contigo? Foram tantos, quantas vezes chorei no teu colo e aquele era o melhor lugar do mundo - e cá estou eu querendo esse colo pelo menos mais uma vez -, ainda o é, mas não existe mais, aliás, tanta coisa deixou de existir, tanta tanta coisa. Sabe, Vó, muita coisa mudou e as vezes ainda tenho a sensação de apenas sentar no sofá e te esperar voltar pra casa.
No meu sonho a senhora me telefonava e aquilo me vibrava a alma, meio acordado, meio dormindo, no profundo despertar eu reconheci ser apenas um sonho e logo me lancei numa triste saudade vazia, procurava teu colo no tecido do travesseiro, tua mão, teu afago. Eu sei bem que nada disso jamais voltará, mas esta saudade sem fim permanece como uma tatuagem. E nesse meu sonho, onde eu era a senhora e a senhora era eu, eu ouvia de mim o teu chamado, teu chamamento eterno "meu filho", "meu amor" e eu esperava tanto por ouvir tua voz. Engraçado, quase nunca me chamavas pelo nome.
Tão estranho, não sei explicar nem esse e nem tantos outros sonhos que tenho com a senhora. Mas, sabe, Vó, me liga, me escreve, prometo não manter tanto silêncio a ponto de nem saber por onde começar. Como está o Vô? Prometo logo escrever pra ele também.

Com saudade,
Frederico Fagundes