sábado, 19 de abril de 2014

Enfim, Minha Vênus Adornada

Diante do espelho tua imagem repousava calma e imperiosa. Os traços borrados no reflexo iluminavam o torpor do ambiente repleto de vapores. No divã, deleitava-se em tua plena forma sublime em teus olhos descobertos, do outro lado eu a admirava em plena forma. Há anos tua imagem era apenas uma forma encoberta no lusco-fusco da eterna espera, sublimava tua forma aos meus mais doces desvarios. Eras apenas o reflexo envolto na mais bela pele e dona do mais sublime dos perfumes.
Não tardei a te reconhecer, Vênus; Ticiano não seria capaz de pintar tão perfeitamente os detalhes da tua alma da forma como eu vislumbro as mais tênues das partes que te formam. Com o passar dos anos tua imagem se tornava um mistério cada vez maior e, proporcionalmente, aumentara a angústia por descobrir tua real forma. Então, ante tua beleza estonteante, retiraste o véu que cobria teus olhos e te mostraste a mim, tua imagem desconcertante me deixou sem fôlego, reparei enfim quem era a musa a guiar a pena enquanto eternamente escrevia a ninguém.
Perante às máscaras escondi meu rosto, escondi as marcas invisíveis que teus amores traziam às minhas madrugadas veladas na incessante espera pelos teus beijos e carinhos. Então, no resfolegar trôpego da natural embriaguez, nossos caminhos se cruzaram, tuas mãos tocaram as minhas enquanto tuas palavras ecoavam pela minha alma. Teus dedos cauterizaram as feridas da alma, teus licores embriagaram meu coração em amores e carícias.
As pantomimas ausentaram-se frente à realidade expandida da tua presença, a névoa dissipou-se no calor do teu corpo junto ao meu.  Eis a magia onde curamos nossas feridas, Ticiano teria orgulho de mim ao ver como te retratei. No frio, teu casaco acalentou a alma que tanto te procurava em meio à poesia, teus versos quando, a mim, mostraste quem realmente és...Ora, dilúvios não me afastariam de ti. Aquela a quem pintei sem ao menos saber quem era, minha plena idealização do amor, tu, minha Vênus.

Ao teu lado caminho compassado, o ébrio torpor agora desfolha risos e um mundo apenas nosso, esse mundo ausente da tristeza de outrora, refletiu na matéria pura pulsátil a forma tão clara quanto o verde do mar a alegria a vibrar na fibra. A dor que enlaça o espírito à dor vivente transmutou-se na mais plena sintonia de harpas angélicas, nesse mundo habitado por nós dois, nunca uma longa conversa fora tão agradável. Eis a união metamórfica das metades, lugar onde o inteiro apenas desdobra sua imensidão no leito das nossas volúpias ou no riso infindável do amor.  Revelaste a mim, minha Vênus, tua forma sob a mais bela pele adornada no encarnado do espírito. Minha Vênus, minha Vida.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Dezembro

Eis o ardor da chama, a divindade máxima do mundo. Em qual repente se abre a porta cuja euforia deságua num profundo espaço onde reina a paz? Então cria-se o instante fugaz na qual as mãos se tocam junto dos lábios, no simples desenho perdura ad infinitum a sensação do real subjugando o fantasioso. Naquele desenho onde meus lábios tocam as tuas mão sob a fina luva de seda e o vestido de princesa recobre teu corpo por inteiro. O momento-sim a selar eternamente os mais profundos laços da alma.
O lugar onde o crepúsculo radiante distende seus braços no infinito abraço do espírito, matéria envolvente da brisa morna do dezembro breve onde, na mais profunda sintonia, o corpo frente ao espírito desnuda-se em sinfonias melodiosas sob acordes dissonantes, jaz então, perpetuado, sob os olhos do divino, o extenuante anoitecer, onde a lua divide espaço no céu com os últimos resquícios de sol e nós dividimos o beijo eterno.
A glória exerce sua própria função de perpetrar a longa jornada do outrora cansado corpo e, no mais belo entardecer de dezembro, o brilho dos olhos cintila pululante a alegria a vibrar na fibra que enlaça a alma à antiga dor vivente. Creio, na sinonímia dos seres, a pungente descoberta sobre o verdadeiro sentido dos sentimentos. Mas, não, esquivo-me de definições, não creio na falácia dos esteriótipos, apenas me recordo de um dezembro passado onde as almas se reencontraram.

Desfaço-me das armaduras enquanto vivente, deixamos o trôpego caminho assaz extenuante; no eterno abraço a alma encontra repouso às chagas que a si foram causadas, reflete nos olhos a completude, eis a valia sobre todas as outras coisas; nossos corpos, nosso espírito entrelaçados ao infinito na mais estonteante fortuna.