O meu jeito tão torto e perdido,
tão repleto de assimetrias e idiossincrasias, uma forma completamente desforme
refletida em qualquer pedaço de lata, refletido na ponta de uma caneta que
agora rabisca o papel. Confesso, nem mesmo ter me acostumado a isso, tão
virtuoso e repleto de todos os infortúnios dela. Detesto a perfeição, mas a
procuro como um viciado procura por todos os cantos da casa um cigarro
esquecido ou um pacote de fumo e papel para enrolar. Caminho de um lado para o
outro, canso as pernas nesta busca constante de uma inconstante impossível
chamada perfeição. Crível é toda a minha especulação, mas são apenas rastros de
mim mesmo procurados por todos os cantos da imensidão de mim.
Meus rastros tão incompletos, os
procuro em arquivos e páginas em branco, pedaços esquecidos e largados de lado,
ou escondidos entre tantas faces de tudo o que precisei ser, não importa. Nesse
caminho eu continuo sem lenço e sem documento. Sigo flanando sem eira nem
beira, ora trapeiro, ora flâneur, as vezes nem mesmo sei qual destino, se é que
existe algum, ou melhor, sei não haver um destino certo, apenas vislumbro essa
imensidão de nada e procuro em meio a isso descobrir um tudo. A longo prazo, a
taxa de sobrevivência de todos cai para zero.
Nego-me a permanecer no nada, eu
sobreponho com certa arrogância minha busca e necessidade do plasma, eu o
quero; felizmente há morfina para a dor, pequenas doses, compassadas e doces.
Doces como o beijo, o toque, o afago. Ouso beber desse veneno tão teu, afinal
não existe veneno pior que a própria vida. Em anéis tão divagantes como só eles
mesmo, eu permaneço enebriado pelo gosto doce da pele, ou da boca, ou da boca.
Ou de tudo junto, não sei bem ao certo, como o ópio a me embriagar o corpo e a
alma, sabores e mais sabores.
O relógio jaz sobre o criado mudo
e se derrete, deforma, cinge o espaço/tempo, cria, recria. E eu uso e abuso,
transformo tudo em literatura, redesenho, redefino, redobro e o tempo se perde
como um mero porém nessa equação de tão só existência, no Alleine Zu Zweit,
onde encontro tanta paz numa queda livre pela toca do coelho, então os cavalos
voam e os animais usam roupas.
Da toca do coelho, eu procuro o
fundo, ter a certeza do quão profunda ela é e assim me perco na
imensidão,percebo o brilho, mas não é ofuscante e nem assustador, é apenas um
convite a mais. E procuro o plasma a escorrer pelo corpo, meus dedos, minha
boca, meu corpo, desejo e o faço escorrer como seiva de uma árvore, néctar de
uma flor. Flores pintadas dentro de um cesto vermelho, ou sem o cesto, não faz
diferença, me desfaço do cesto e mergulho na imensidão profunda da torrente
quente; me encontro, aliás, bem no fundo. O reflexo no espelho se faz tão claro
como a lua se banhando nas águas geladas do mar no inverno. E sinto o cheiro de
vida, me sinto pulsante como uma alma a vibrar em pleno fôlego.
Entre tantas linhas e entrelinhas
sou eu mesmo, esse sujeito tão torto e assimétrico dado à angústia de encontrar
a perfeição tão odiada, no entanto não me enfastio da busca, tomo notas, faço
anotações, divago. Durmo.