O momento este onde paro e abro o livro; por onde
começar, qual caminho, qual linha a seguir? Qual parágrafo, estrofe, verso?
Qual? Esse meu pensamento tão distorcido na demanda de pensar mesmo quando o
cansaço me toma como escravo. Mas penso em ti, estrela equidistante
pluricultural parisiense de netuno que me captura como um todo. E tu, viajante
de pés pequeninos, navegando em águas tão revoltas, nestas águas tormentosas
que escrevo como quem escreve no fundo do espelho. Em ti. É em ti que eu penso.
Então eu viro a página. Me dizes “eu tenho medo”. Tu, tão pequena e
inenarrável, ali, na frente da porta da aula, jamais esqueceria de ti: pegaria
na tua mão; teu sorriso tão bonito. Espero o ônibus contigo. Te roubo um beijo
enquanto o ônibus não vem. E eu vivo me perdendo em tantas referências que
emprego a ti. Então te escrevo uma carta em letra torta e enviesada. Tu lês e
sorri. E eu viro a página de novo.
Riste entre as linhas e te perdeste nas entrelinhas de
mim ao me decifrar melhor que minha própria escritura. Eu te sequestraria, roubaria
pra mim; sentaria ao teu lado e esperaria tua síndrome de estocolmo aflorar
como quem espera uma rosa azul desabrochar. No cativeiro, nossa trilha sonora
transitória iria de Wagner à Tropicália, perder-se-ia na geléia geral entre
Beatles e Pethit, teu Beatles e meu Tull. Ficaríamos exaustos até nossos corpos
não mais conseguirem se tocar, não por falta de vontade, mas que faltasse o
fôlego, a força, houve ali só nossas almas tão bonitas no céu colorido azul dos
lencóis purpúreos.
Sim, te sequestrei e prendi nas esquinas e arredores dos
meus sonhos e das minhas bibliotecas imaginárias tão reais, - me dá um beijo? –
esse beijo bom que derruba e desfolha livros, os devora como sedentos pela
carne um do outro, pela alma, pela essência. No entanto peço desculpas por te
encher de mim mesmo, quando prometi doses infinitas e constantes, não disse que
poderia transbordar tudo... E eu te seguro nos ponteiros deste tempo tão
limítrofe e vagaroso que escapa ao relógio, escapa à nós. Vem cá, me dá um
abraço, princesa, sei que é necessário mais que um beijo pra te acordar, mas
vem, volta pra cama. Vem dormir comigo na noite fresca dos nossos amores?