quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Dia de sol

Pensei um dia,
Que a dor ia passar; a chuva ia estiar.
Pensei um dia naquele sorriso oblíquo dissimulado
N's teus olhos ressaqueados olhando o mar calmo,
A tua nobreza elevada em salto 15
                                                   [de bico fino.
Pensei um dia em esquecer tudo,
Apagar da memória toda a mínima chance
                                                   [de ter o máximo;
                                             Desisti.
Apanhei um bloco antigo,
Escrevi em mim tuas linhas tão bonitas.
Nesse dia em que pensei,
Percebi que a dor não passara;
                                     a chuva não estiara.
              Olhei o céu azul nublado-cinza
                              Busquei tudo em mim e nada achei...
Dormi o sono
                 Anestético d'aguardente e rivotril.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Ela.

Existe uma razão específica para um sorriso tão grande, uma razão presa ao gesto tão simples dos teus dedos finos que puxam meus cabelos e teus lábios que tocam a minha boca. Nessa razão sublime dos nossos corpos se tocando, teu cheiro suave inundando cada mínima parte da minha vida.
Nesses dias eu reparei teu jeito de andar, as pernas compridas, teu corpo tão perfeitamente desenhado; então te descrevi em algum verso perdido n'alguma página de caderno, deixei pra sempre guardado teu retrato semiótico meio meu, meio teu: completamente nosso.
Dia desses também escrevi um poema, mas logo apaguei, escrevi um conto e deixei de lado; li um livro e te encontrei em cada página, ouvi uma música e era sempre tua imagem a iluminar o quarto escuro; abri um vidro de perfume há tanto esquecido, mas era teu cheiro a tomar conta do mundo.
Então sentei e escrevi uma carta de amor, pura digressão romântica adornada de paixão e mesmo assim a tecitura foi doce - doce feito o sorriso estampado nos meus lábios. Sabe, nunca fui muito de sorrir e nem de esbanjar alegria por aí, sempre fui o meio termo neutro, sentimentalidade impassível, pura forma estática de tudo, indiferença constante. Mas teu sorriso me alegra, tua mão me acalma e teu beijo me faz estremecer.
Assim eu sigo nessas noites chuvosas, pensando nesse teu sorriso tão gigante e em tudo isso de nós dois, essa felicidade que tu me apresentaste...

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Inacabado

Noite dessas bebi vinho co'águardente, despedacei algumas fotografias antigas no misto de raiva e nostalgia, chorei ao som do alaúde tupiniquim todas essas saudades que tanto me sufocam.
Nessa noite fumei charuto cubando, desbravei a neblina da rua como quem procura uma sombra na penumbra.
Caminhei certeiro rumo ao nada; em minha cabeça mil filmes se passavam e eu queria gritar, arrumar o desconcertado desajuste de mim em linhas retas pontilhadas.
Nada foi igual. Tudo mudou, eu mudei, o mundo mudou e algo permaneceu. Um espectro multicolorido vermelho permaneceu, escondeu-se em cada esquina, cada canto, cobriu cada imagem inconsciente.
Passado e presente uníssonos, coexistentes. O agora deixa de ser no instante mesmo que o é; mas aquele quadro no final do corredor é sempre o mesmo.
Sento, admiro; choro copiosamente o choro seco da saudade infinda, as reticências borradas no fim de uma história que...

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Pornotragédia I

Eram sempre dois, ambos ali, às onze horas e ninguém via nada, não havia nada além do silêncio ecoando profundo pelas ruas estreitas e abandonadas, nada além dos dois corpos aquecidos, nada além dos dois. O tempo os afastava, não, não fazia muito tempo que não se viam, vinte quatro horas e já era o suficiente, o mesmo horário, o mesmo lugar. Quase dez anos os faziam distantes, percursos, caminhos, porém ambos se encontraram. Encontraram-se no profundo silêncio da rua abandonada, um refúgio no meio do caos urbano, a sala de projeção.
O ritual permenecera o mesmo por muito tempo, às onze horas, entrada lateral, passos discretos, cada um chegava por um dos lados do quarteirão. Sempre havia um novo furor, uma ansiedade desconhecida. Jamais poderiam ser descobertos, jamais alguém poderia saber de qualquer história. Essa era a história, o caminho de não haver caminho, o encontro desencontrado, o corpo no corpo; suor, saliva, beijo... Nada a declarar.
Eis que a noite estendia pálida seus dedos assombrosos, deslizava ele mais uma vez pela viela escondida, pairava a mão atrás de um vaso abandonado, caçava a chave; esperava. Pelo outro lado, passos breves e corridos, silenciosos como felina endoudecida. Há distância já sentia o perfume, o cheiro que vertia-lhe dos poros, a cadência da respiração ofegante, amedrontada.
Rapidamente, abriu a porta, o cheiro do couro velho das antigas poltronas, mistura do velho e o novo. Rápido enlace, o beijo, volúpia, pupilas dilatando. Ele a empurra contra a parede, segura firme pelos cabelos. Beija-lhe os lábios, sedento, meticuloso, astuto. As mãos deslizam pelas costas pequenas de mulher-menina, lhe arrancando a jaqueta cuidadosamente abotoada, desvendando a blusa fina, rendada. A pele exala o cheiro do tesão ardente, vibrante. As mãos dela lhe procuram as costas, as unhas arranham firme, encontram a pele como a navalha encontra a seda.
Respira; respira; respira. Buscam o ar que lhes falta, o apetite que os consome, enroscam-se as pernas, deslizam mãos, pele nua, pele fresca cheirando a flores. Com a boca, ele desbrava um corpo tão conhecido, mas sempre inédito, devora, morde, consome o cheiro orvalhado da pele morna. Os seios palpitando, os dedos tocando os lábios que vertem lubricidades. A boca dele, os lábios dela. “chupa com vontade” e ele afunda o nariz fálico entre as pernas finas, bebe dela cada gota que escorre.
Vira, toca, beija, morde, lambe, chupa. A presença nua diante dos olhos, desperta em si o ardor surpreendente, desejo pelo corpo, pela alma, o seio a palpitar entre os lábios, língua rápida, corriqueira, desliza pela barriga de encontro ao sexo, outra vez ela o segura pelos cabelos. Suspiro profundo, para então gemer alto. Segura os braços delicados, os amarra ao pedestal do antigo projetor com o cinto já tão conhecido, desliza ágil entre as pernas, o sexo pequeno espera latejando ser invadido pelo corpo que a toma. Gemidos.
As pernas o puxam com força. Entra, penetra, invade. Ele o engole em mil abraços, sente cada mínima parte o apertando, estrangulando, sufocando nas entranhas. As pernas abraçam os quadris, o corpo se esfregando – arrepios, gritos – entra com força, pernas-prisões de amantes. Solta as mãos, erguem-se. Apoiada sobre a mesa, inclina o corpo, segura-a pelo cabelo. Penetra novamente, estocada forte, firme. Grita.
O corpo pequeno estendido, desfalecido pelo gozo ardente. Se envolvem em pequenos abraços rastejantes, caídos, despencam sem forças movidos a suspiros fortes, lado a lado, o sexo duro ainda a toca as pernas, procura as coxas que o abraçam. Ali, entre as pernas, verte o gozo quente, mistura-se o líquido dos amores. Ele lateja entre as coxas, mais  uma vez enfia forte, espera. Coxas molhadas, fluidos, porra. Pernas moles.

Fora a última vez, findou-se ali o enredo dos dois. Alguns anos depois descobriram os rastros do amor proibido, os restos do pouco que poderia se saber. Aquela fora a noite do passamento. Morreram numa versão pornô de Romeu e Julieta, mas não menos sincera.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Everything Dies

Alguma coisa morreu.
Sempre morre alguma coisa, mas normalmente não sei dizer o que é. No fim, sempre morre alguma coisa em mim, sempre algo se desfaz e eu sufoco tanto amor no silêncio dos gritos desesperados por socorro.
Recebo uma pequena migalha como um banquete, sinto em mim toda a alegria do mundo para então tudo evanescer de novo e eu ficar perdido na escuridão. Pego uma caixa de lembranças e reviro cada uma delas, procuro por qualquer cheiro, qualquer sensação, qualquer dor que traga de volta todo aquele encanto, toda a alegria de outrora. No fim, não há nada além de uma imensidão repleta de vazio. O vazio daquele adeus que não demos, do até logo onde o “logo” nunca chega.
Então eu sirvo mais uma dose desse whisky amargo, acendo a chama e trago a fumaça a queimar a garganta; cheiro ocre, licor avinagrado, vinho tinto seco azedo tosco, cheiro de uvas podres, morangos mofados, champagne sem gás. Vinil arranhado, faixa repetida, beijo extraviado. Um dia desses, sentado à soleira, eu lia calmamente aquele livro antigo, sentia o cheiro do café recém passado, o gosto de tantos planos não realizados. Vomitei dolorido o peso da saudade de uma presença tão ausente.
Pensei em correr, pensei em deitar no chão e chorar, pensei em desistir de tudo e compreender que nada mais faz sentido, mas compreender não é aceitar e eu não consigo aceitar; aceitação não é máxima alguma na minha vida, sempre falei, eu sou a eterna negação, dos cinco estágios da dor, eu nunca sai da negação, sempre sucumbi à completa e irrevogável negação.

Então eu espero aqui, caminhando em vão pela rua gelada, vou esperar sempre o telefone tocar, te ouvir dizer “estou voltando”. Só assim não negarei mais.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Bipolar

Faz assim. Pega tuas coisas, vai embora. Arruma as malas, escreve um bilhete, deixa no barzinho perto da saída, embaixo de uma garrafa qualquer, uma bebida amarga, tão amarga quanto essa sensação. Bate a porta - ela não abre por fora - não deixa nada pelo caminho, entra no primeiro trem e segue, não joga uma pétala qualquer pelo caminho, não deixa rastros. Acende um cigarro, deixa esse último cheiro no apartamento bagunçado, roupas jogadas, meu corpo quente e teu corpo em chamas, quebra os copos, derruba bebida no chão. Espera eu acordar, estapeia minha cara, me arranca dessa letargia. Esfrega teu corpo no meu, molha meus dedos com tua saliva, quebra as janelas.


I keep the door open, waiting n’ waiting, it’s been forever,girl, since you’ve became a misty memory. I wrote many letters and stored in the drawer. I lost myself entre tantas línguas, tantas coisas, tantos ocasos nebulosos. Toma um fósforo, acende teu cigarro. Me beija nessa noite escura, abre essa porta. You were always here.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Fragmento

Once she said "you like your girls insane".
E estava certa, eu gosto mesmo, insanidade é atraente, loucura é sensual e psicose é afrodisíaco.
Também gosto daquela sensação de que vai dar tudo errado e no final da errado mesmo, é atraente, dá tesão e me faz querer grudar tua cara na parede, arrancar teu short curto e esquecer que estamos no meio da rua e todos estão olhando.
Mistura de tesão e neurose. Hipocondria e drama.
Parece tudo tão gostoso quanto tuas pernas compridas abraçando meus quadris. O gozo quente vertendo nos teus lábios e todo aquele pornô mágico em que não há limite.
Gosto de morrer desse jeito.