segunda-feira, 16 de maio de 2016

Pornotragédia I

Eram sempre dois, ambos ali, às onze horas e ninguém via nada, não havia nada além do silêncio ecoando profundo pelas ruas estreitas e abandonadas, nada além dos dois corpos aquecidos, nada além dos dois. O tempo os afastava, não, não fazia muito tempo que não se viam, vinte quatro horas e já era o suficiente, o mesmo horário, o mesmo lugar. Quase dez anos os faziam distantes, percursos, caminhos, porém ambos se encontraram. Encontraram-se no profundo silêncio da rua abandonada, um refúgio no meio do caos urbano, a sala de projeção.
O ritual permenecera o mesmo por muito tempo, às onze horas, entrada lateral, passos discretos, cada um chegava por um dos lados do quarteirão. Sempre havia um novo furor, uma ansiedade desconhecida. Jamais poderiam ser descobertos, jamais alguém poderia saber de qualquer história. Essa era a história, o caminho de não haver caminho, o encontro desencontrado, o corpo no corpo; suor, saliva, beijo... Nada a declarar.
Eis que a noite estendia pálida seus dedos assombrosos, deslizava ele mais uma vez pela viela escondida, pairava a mão atrás de um vaso abandonado, caçava a chave; esperava. Pelo outro lado, passos breves e corridos, silenciosos como felina endoudecida. Há distância já sentia o perfume, o cheiro que vertia-lhe dos poros, a cadência da respiração ofegante, amedrontada.
Rapidamente, abriu a porta, o cheiro do couro velho das antigas poltronas, mistura do velho e o novo. Rápido enlace, o beijo, volúpia, pupilas dilatando. Ele a empurra contra a parede, segura firme pelos cabelos. Beija-lhe os lábios, sedento, meticuloso, astuto. As mãos deslizam pelas costas pequenas de mulher-menina, lhe arrancando a jaqueta cuidadosamente abotoada, desvendando a blusa fina, rendada. A pele exala o cheiro do tesão ardente, vibrante. As mãos dela lhe procuram as costas, as unhas arranham firme, encontram a pele como a navalha encontra a seda.
Respira; respira; respira. Buscam o ar que lhes falta, o apetite que os consome, enroscam-se as pernas, deslizam mãos, pele nua, pele fresca cheirando a flores. Com a boca, ele desbrava um corpo tão conhecido, mas sempre inédito, devora, morde, consome o cheiro orvalhado da pele morna. Os seios palpitando, os dedos tocando os lábios que vertem lubricidades. A boca dele, os lábios dela. “chupa com vontade” e ele afunda o nariz fálico entre as pernas finas, bebe dela cada gota que escorre.
Vira, toca, beija, morde, lambe, chupa. A presença nua diante dos olhos, desperta em si o ardor surpreendente, desejo pelo corpo, pela alma, o seio a palpitar entre os lábios, língua rápida, corriqueira, desliza pela barriga de encontro ao sexo, outra vez ela o segura pelos cabelos. Suspiro profundo, para então gemer alto. Segura os braços delicados, os amarra ao pedestal do antigo projetor com o cinto já tão conhecido, desliza ágil entre as pernas, o sexo pequeno espera latejando ser invadido pelo corpo que a toma. Gemidos.
As pernas o puxam com força. Entra, penetra, invade. Ele o engole em mil abraços, sente cada mínima parte o apertando, estrangulando, sufocando nas entranhas. As pernas abraçam os quadris, o corpo se esfregando – arrepios, gritos – entra com força, pernas-prisões de amantes. Solta as mãos, erguem-se. Apoiada sobre a mesa, inclina o corpo, segura-a pelo cabelo. Penetra novamente, estocada forte, firme. Grita.
O corpo pequeno estendido, desfalecido pelo gozo ardente. Se envolvem em pequenos abraços rastejantes, caídos, despencam sem forças movidos a suspiros fortes, lado a lado, o sexo duro ainda a toca as pernas, procura as coxas que o abraçam. Ali, entre as pernas, verte o gozo quente, mistura-se o líquido dos amores. Ele lateja entre as coxas, mais  uma vez enfia forte, espera. Coxas molhadas, fluidos, porra. Pernas moles.

Fora a última vez, findou-se ali o enredo dos dois. Alguns anos depois descobriram os rastros do amor proibido, os restos do pouco que poderia se saber. Aquela fora a noite do passamento. Morreram numa versão pornô de Romeu e Julieta, mas não menos sincera.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Everything Dies

Alguma coisa morreu.
Sempre morre alguma coisa, mas normalmente não sei dizer o que é. No fim, sempre morre alguma coisa em mim, sempre algo se desfaz e eu sufoco tanto amor no silêncio dos gritos desesperados por socorro.
Recebo uma pequena migalha como um banquete, sinto em mim toda a alegria do mundo para então tudo evanescer de novo e eu ficar perdido na escuridão. Pego uma caixa de lembranças e reviro cada uma delas, procuro por qualquer cheiro, qualquer sensação, qualquer dor que traga de volta todo aquele encanto, toda a alegria de outrora. No fim, não há nada além de uma imensidão repleta de vazio. O vazio daquele adeus que não demos, do até logo onde o “logo” nunca chega.
Então eu sirvo mais uma dose desse whisky amargo, acendo a chama e trago a fumaça a queimar a garganta; cheiro ocre, licor avinagrado, vinho tinto seco azedo tosco, cheiro de uvas podres, morangos mofados, champagne sem gás. Vinil arranhado, faixa repetida, beijo extraviado. Um dia desses, sentado à soleira, eu lia calmamente aquele livro antigo, sentia o cheiro do café recém passado, o gosto de tantos planos não realizados. Vomitei dolorido o peso da saudade de uma presença tão ausente.
Pensei em correr, pensei em deitar no chão e chorar, pensei em desistir de tudo e compreender que nada mais faz sentido, mas compreender não é aceitar e eu não consigo aceitar; aceitação não é máxima alguma na minha vida, sempre falei, eu sou a eterna negação, dos cinco estágios da dor, eu nunca sai da negação, sempre sucumbi à completa e irrevogável negação.

Então eu espero aqui, caminhando em vão pela rua gelada, vou esperar sempre o telefone tocar, te ouvir dizer “estou voltando”. Só assim não negarei mais.