sábado, 27 de setembro de 2014

(Su) Real

Hoje quis te abraçar como lá na praia, o som do mar ecoando ao vento e teus olhos atentos lend’um bilhete, quis tua mão, teu cheiro; quis tua presença na ideia de tornar viva mais uma vez essa memória tão apraz. Decidi te criar em alguns versos, mas logo os perdi, fugidio decifrado percebi o gosto doce desta tarde. Alguns rabiscos e outro versos, outra vez os perdi na imensidão da memória, tantas cenas relembradas, tantos "entantos" e, no entanto, tua passagem deixa tantos vestígios. Não os mesmos dos nossos passos na areia, mas vou além, vestígios de algo tão oblíquo à razão cotidiana.

Me perdi na irrazão da tua presença quando nem o sol era perturbador, e a voz pungente tomava conta do ambiente. Daí o toque, o carinho escondido entre os dedos, na destreza punguista onde desfaz a guerra tão inerente a mim: paz. N’uma palavra apenas e nada mais, paz decifra a crueldade indecifrável de mim mesmo, mas temo transformar a memória em relato, “lembrar, escrever, esquecer”, temo jorrar tudo em tinta e papel, as guardo pra mim em letras imaginárias e arabescos modernos. Dos trapos de mim mesmo a ousadia os transformou na vestimenta tocada pelo vento.
Nessa mímica fantasiada eu durmo sem querer acordar, mais me lembra um sonho agradável onde os personagens caminham pela praia e nada mais importa é apenas o mundo, aquele mundo, os dois, apenas. Se a vida imita a arte, então essa imagem é eterna aos olhos do mar, talvez aos olhos do sol, das gaivotas fugindo das lentes arrojadas da câmera fotográfica, quiçá. Quem dera eu saber se elas não vão contar umas às outras sobre ter visto duas pessoas felizes. Eu continuo gozando da minha prosa estranha e desengonçada, mas é assim na minha memória, funciona assim na minha cabeça; no final das contas, a parte mais sem sentido acaba tendo sentido pleno. Tão pleno quanto um passeio na areia mole e banhados pelo vento forte.
E na rua tudo se transforma, se transtorna enquanto paz aterradora; é estranho como toco sem nem saber, momento-já onde meus dedos tocam o corpo e desferem sinceros carinhos, não poderia definir, nem remontar algo assim, seria demais, a remontagem seria transitória enquanto a ação, em si, tende a deixar marcas eternas na alma. Digo meu nome e depois o teu, ou vice versa, nessa semelhança tão diferente onde tua presença ausente encheu a praia. Eu me acalmo e solto a tua mão, mas tento pensar que tenho um lugar especial no teu coração; mesmo eu sendo essa indecifrável obra de arte mal feita e totalmente torta, me olho no espelho e tento pensar nisso, nesse lugar que talvez eu ocupe.
Talvez eu seja mais uma peça surrealista e tu uma peça também surrealista, não importa, os pés tomam todas as direções possíveis e, no entanto, mesmo sem ser nada, temos todos os sonhos do mundo, esses pouco importam, mas em saturno os anéis pendem num caos completamente ordenado, afinal, sonhos são sonhos e nós temos todos os do mundo. Talvez um café em Paris e um almoço em Frankfurt, um sol da meia noite em Helsinki e tudo passa tão rápido, porque é assim, na modernidade tudo é líquido e escorre tão rápido que nem percebemos, o tempo verte pelos ponteiros e nos perdemos constantemente.
Poucos percebem o que há por trás de um quadro surrealista, assim eu posso me encaixar, meu surrealismo não da atenção à forma, apenas percebe o decorrer de toda a compostura da tarde de sol quando fui pintado, aliás, vim ao mundo em meio à chuvarada, ao fim da tarde, início da noite, sou da madrugada e isso é bem claro, mas no lampejo do olhar algo me desvenda por trás das formas tortas e sinuosas, de certa forma esse vislumbre não veio à toa, mas nessa rua de mão dupla da minha vida, onde todos apenas passam e ignoram, você estacionou e tentou compreender o sentido.
A rua leva ao mar na tarde de inverno, que é muito mais bonito, leva ao caminhar pela estrada, talvez à todos os sonhos do mundo, mas o teu caminho leva à saturno e lá os teus olhos brilham mais no escuro. Não sei, frases de impacto fazem a minha cabeça e isso é pululante como o calor do abraço. Me tumultua como uma agulha e eu me escondo muito bem, ninguém jamais saberá disso, jamais eu seria perfeito, nem quero, o perfeito é simétrico e simetria é o anti-surrealista, apenas sou isso que sou quando meu carinho te encontra do nada. Olhar pra ti é como um espelho de mim mesmo, porém um reflexo conciso e mais bonito, profundo e complexo.





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