terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Quadro - Amor da minha vida

Mistérios rondam apenas as mais conturbadas e disponíveis mentes, incríveis formas, incríveis mistérios. Apenas isso e nada mais, somente a fugaz lisonja do desconhecido reverberando e ecoando por todos os cantos da mente de um amante. E assim todas as imagens desfalecem sobre pedaços imaginários de papel; esses, tão imaginários quanto o fruto de todas as divergências e convergências imagéticas possíveis singelamente refletidas nos teus olhos.
A estrutura da austeridade, a forma de cada traço rabiscado. A representação de toda beleza e encanto, a suavização de cada canto, cada traço. E assim escorre a cabeleira vermelha pelos ombros. Levemente recostada sobre o divã eu a admiro, tão doce, tão delicada, beleza de todo o encanto sedutor, memorável enquanto eco imagético de turbilhões sinestéticos.
Impulso incontrolável te olhar, te procurar em cada canto, vislumbrar tua presença, mesmo que ausente. Simplesmente implícito à tua imagem apolínea, donde a perseverança refaz a concretude do complemento, ao passo de imaginar o fatídico dia em que o ato, em si, é consumado frente às imagens angélicas e todas as ladainhas intromissivas e retumbantes. Novamente torna ao constructo quase pedagógico contemplador de todas as divindades, local imaginário onde o apolíneo e o dionisíaco se encontram no esplendor das almas.

Ante a própria imagem refletida no espelho, te divertes aos risos encantadores dos singelos mimos que te dispenso, emprego a teu reflexo o ardor dos meus olhos ao encontrarem os teus, reflito no reflexo d’alma o ébrio e tórpido sorriso encantado.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Ad Continuum

Então o que há de mais perverso senão o caminho em-si a se desdobrar num infinito desconhecido e literal? Qual a forma em sua (i) razão desvenda continuidade ou laço eterno?
O relativo apenas desfere como algo a gotejar numa calçada em meio aos transeuntes, e é nessa projeção entre o cheiro ocre e o gosto doce que reside a continuidade. Eis, na imortalidade do espírito, onde o âmago se renova na pungência de cada encontro. Mesmo neste espaço onde o tempo é suspenso, o instante-ja, fugaz, escorre entre os dedos.
Na verdade, o ressonante inspira a ação instrospectiva à própria morte, por sinal, mas essa também é desfigurada pelo véu da continuidade oblíqua ao vício. Receio recriar o impossível, mas, no entanto, as pétalas são matéria prima da relevância eloquente de um gesto na escuridão efêmera de corpos uníssonos cujo roubo se dá no âmbito da alma, em frente ao espelho é onde se dão as mais fantasiosas criações.
Qual a punição, então, sobre o roubo da matéria pulsante quando a virtude reclama para si todos os vícios?
Ante o próprio vício da virtude, a alma retém a tensão em plenos pulmões, mas, fugídio, o instante-já desfalece e se (re) dobra no vapor dele mesmo, deslocando-se, assim, junto a pura matéria da virtude. Logo, no tempo suspenso, rompe-se a relação com o espaço, fazendo com que o procure na escuridão gélida da noite.
Desfaz-se a crise em ardente fogo, tomba à guilhotina da percepção e retoma na coexistência o semblante frente aos espelhos paralelos. Existe algo de perturbador no infinito, aprazível como o crepúsculo opulento.

E na otomana repousam os pés, a inspiração desse momento-eterno onde o texto basta por si só, assim como o encontro de-si em outrem na pululante madrugada.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Esfinge

Fim. O relógio marcava quatorze horas. Um dia a menos, um dia a mais. Franz apanhou o paletó e seguiu em direção à porta. Girou a maçaneta e frouxou o nó da gravata. Entrou no carro, por alguns instantes pensou no calor insuportável, mas preferiu deixar de lado, a brisa era fresca e o carro andava rápido.
Chegou à sala de espera e já era aguardado. Alguns minutos depois entrou na sala. Na mesma poltrona de sempre ele o aguardava. “Boa tarde”, disse Franz. Com certa comicidade “Tarde boa e quente”, replicou. – Sente. Concluiu.
- Há algo de novo; mudou o estofado?
- Analítico. Não quer sentar?
- Hm, é estranho, novo demais e diferente demais.
Franz sentou-se no chão, certamente uma mudança brusca como aquela o havia causado, em algum nível, certa náusea.
- Além da mudança, notou mais alguma coisa nova?
- Ironicamente ver um cinzeiro num lugar onde não se pode fumar é algo estranho, mas não quero falar nada pior.
- Você pode fumar, se quiser.
- Estou bem.
Num impulso quase defensivo, Franz acendeu um cigarro. “Não vejo razão para trocar o estofado, sério mesmo. Qual era o problema com o outro?”
- Você quer falar sobre isso?
- Não. Não, de forma alguma. Mas também não sei sobre o que falar. Faz algum tempo, muito mudou, e nada mudou.
Com um sorriso único e frio, ele riu do comentário. “Sempre tudo muda, mas nada muda!”.
- Pode soar engraçado, no entanto é verdade. E outra verdade é que não sei por onde começar, simples seria sentar e observar como minha cabeça está agora. Enfim, já sei, normalmente é fácil perceber o quão rápido as coisas passam, os dias parecem mais curtos e a noite rende muito mais e em diversos sentidos. Nem mesmo o mais vil e cruel sono é incapaz de abater a presa. De alguma forma, quando o faz, em suas garras carrega o mesmo sonho.
Me vejo arrastado pelo menos corredor ladrilhado por hexágonos perturbadoramente simétricos, mas a sensação não é ruim. Por duas ou três vezes vislumbrei um quadro ao fim do corredor. Depois tudo escurece e tenho o quadro nas mãos e, no entanto, não consigo decifrar o que me diz.
Há um casal sentado, não os reconheço, mas são familiares e junto deles há uma criança.
-Você mergulha nesse corredor, é interessante a ausência do medo, talvez. E o que acontece?
- Eu acordo e a sensação é boa.
- E é em sigilo silencioso?
- Não, é mímica, distorção, já é um reflexo, uma imagem a me olhar e não a consigo ler, apenas uma poderosa forma onde o vermelho recobre a parte superior, mas não me fere os olhos ou sentidos.
Existe algo dissonante na ação em si, não sei ao certo se olho o quadro ou se, do quadro, me observam como quem aguarda o trem ou um ônibus.
- Você se sente invadido?
- Não, é cíclico, mas não invasivo, complementar, em um sentido mais amplo. Mesmo assim não é isso o que mais me apraz, existe algo a mais, algo além do que há por si só, algo além de mim, tange o metafísico em essência a engendrar o vislumbre em si enquanto forma renovadora.
Irrompe na matéria pulsante enquanto luz desbravadora, acontece no mesmo tom carmesin do opulento crepúsculo, e se desfaz em pronto divagar de si na forma dos mesmos tentáculos que lança a mim na escuridão.
Afaga a nuca com dedos mornos a embalar cabelos envoltos em chamas. Nas chamas o brilho reluz na aurora do minuto a passar em ânsia. Existe algo inexplicável, esse algo manter-se-á dessa forma. Vem sei não és dado aos enigmas da alma e dos planos dados ao espírito.
Bem sei, mas é como adentrar um rio durante a madrugada quente, onde as pedras sempre são banhadas por águas geladas e a alma acolhe o frio de boa a pura vontade. Por pura e adorada vontade desfeita em flor a deleitar-se no puro rio. E tudo desdobra-se em perfeito fluxo, tão perfeito quanto o rio, como a natureza em si.
-Vejo que muito mudou, então. Mudou naquilo que tange o conteúdo, isso é deveras importante, ainda mais ao falar de si sem interpor barreiras diversas. É essa mudança que o impede de sentar-se senão no chão?
- Não! Esse estofado. Entrar aqui é como estar despido de todas as defesas, é incompreensível conseguir repousar o corpo sem defesas em um lugar desconhecido e estranho.
- Justo.
- Então, o que há de novo senão a renovação da esperança? Eis à luz da nova aurora onde desfaleço pesadamente ao lado da própria ideia, uma presença que, mesmo ausente enquanto princípio físico, completa de forma bela e despudorada.
Por isso meu caminhar ébrio retorna ao ponto onde se enlaça o recomeço, sei o aspecto denso dessa divagação, mas o que mais eu poderia fazer além de falar de mim mesmo em uma perceira pessoa?
- Entendo.
- Pois é.
Aos passos silenciosos do relógio, Franz percebe seu tempo chegando ao fim. Há algo além do mero caminhar de volta, estranhamente há um novo brilho no sol, até o farfalhar das árvores é sonoramente mais aprazível.

Há algo novo a pulsar. Ele entra no carro, gira a chave, acelera e sente o calmo palpitar no peito.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Dupla Autoria & Orgasmos Múltiplos

Teu rosto brilhava no reflexo do fio de luz que entrava pela janela. O ocaso distendia seus tentáculos e a bruma tomava conta do lado de fora. Eis, então, defronte ao espelho tua pele reluzia o encanto dos vapores. Teus lábios mergulhavam de vez em vez na taça de vinho. Em algum nível obscuro camuflavas um olhar tímido e cruel.
Vestias uma fina pele, mesmo com a noite morna, não deixaste de lado a pele. Sentado do outro lado do quarto, eu te observava com um riso debochado e sádico. De fato fui maldoso ao te amarrar próxima a cama e sentar-me numa poltrona mais afastada, a bem da verdade, te observar me fazia tomado por deliciosos arrepios.
Há duas horas teu corpo sofria com os meus toques e tua libido encalusurada por amarras de seda, sofria com o efeito do mesmo veneno. Teu sexo fustigado pelos meus dedos jazia embebido em néctar enquanto tuas pernas tinham espasmos a cada toque dos meus dedos. E eu voltava a sentar e te observar.
Eis que me ajoelho ao teu lado, beijo de leve tua boca enquanto minha mão sobe pelas tuas pernas. Mordo teu lábio, a mão sobe pela tua perna...Teus seios expostos sob a pele, mordo; minha mão toca teu sexo molhado, brinco com os dedos. Sinto tua respiração forte e teu sexo pulsando. Volto pra tua boca, enfio os dedos entre as tuas pernas... te beijo enquanto meus dedos se contorcem dentro de ti.
Paro.
Encho a boca com um gole de vinho, te beijo de novo, o vinho escorre pela tua boca e mancha o teu corpo. Levanto e saio.
“Vais suportar meus devaneios por uma vida inteira?” – “Sim.” Tu me respondes.
Surrar-te nos meus amores, te morder em desvarios, tocar teu sexo como quem profana o sagrado. Deleitar-me com teu gozo e afoito te tomar nos braços como um déspota piedoso e dono dos teus amores. Despontas na dor o rubro do teu sangue na tua pele pálida.
Então te entregas ao teu dono a adentrar teu corpo em fálico amor que vibra uníssone ao pulsar do próprio coração. Eis teu sexo a me engolir, faminto, molhado, sedento... Fodo como quem procura a fonte da vida. Tuas mãos amarradas ainda te impedem de qualquer movimento, te invado como uma explosão de calores.
Na única reação capaz de esboçares “Sou tua escrava”, replico em tom quase inaudível “Sou teu dono”.
Permita-me te contar uma história, nem sempre fui o martelo, já fui bigorna, como diria Fausto, “na vida ou tu és a bigorna ou o martelo”, e eu fui bigorna. Lembro-me, estremeci ante a face debochada e impiedosa, calei-me entre tapadas e chibatadas.
A mão pesava sobre meu corpo dilacerado em arranhões, as marcas dos dentes formavam o mais belo e cruel mosaico. Em um trocar de segundos, ela se transformara na mais impiedosa das amantes. Carne, unhas; os cabelos brilhavam em ardentes chamas voluptuosas. Ao me tomar com os lábios, mantinha a certeza de que não me faltassem arranhões pelas pernas. Amarrado, assim como estás agora, eu era tomado pelos golpes mais amorosamente desferidos.
Eu poderia tremer frente ao açoite, mas não, eu, ultra-sensual libertino, estava entregue às mãos da minha impiedosa Vênus. O gozo volúvel tomou conta de nós dois, incontrolados e sem razão, essa foi a forma como ficamos eu e ela.
- Por qual razão fazes isso, desgraçado? Me consome em delírios com as tuas palavras, tuas libertinagens.
- Não percebes que falo de ti, minha musa? Não percebes que foste a única a completar-me nos mais perturbadores delírios?
Tuas mãos imóveis foram desamarradas, teus braços marcados pendiam trêmulos como teu corpo. Te levei no colo até a cama, depositei teu corpo sobre os lençóis aquecidos, bebi outro gole de vinho, beijei tua boca enquanto minha mão brincava entre as tuas pernas molhadas. Mordendo tua boca, penetrei teu sexo. Era fogo e gasolina, teu sexo quente me abraçava como uma amante doentia.
Eu sentia tuas unhas marcando as minhas costas, procuravas o meu pescoço, minha boca, mordias... Trepávamos como o mesmo furor da jovialidade, o que mudara foram as marcas deixadas por nós em nossos corpos, eternas lembranças.


O gozo jorrou quente, queimando tudo pelo caminho, teu corpo embebido com meu líquido vibrava junto ao meu. Um beijo, um olhar. O mesmo carinho pervertido dos perturbadores amores.

Frederico Fagundes e Jessica Pinheiro.