terça-feira, 4 de novembro de 2014

Carta

Vó.

Há tempos penso em te escrever, parece que nunca há tempo ou a memória simplesmente se esfacela, eu não sei explicar ao certo, não importa, agora há tempo e me fervilham ideias. Faz tempo que não te escrevo, recordo de uma carta tão longínqua onde eu contava coisas tão tolas, talvez tão tolas quanto as que eu te escrevo agora, enfim.
Tem tanta saudade nesse meu coração, não há um dia em que eu não sinta tua falta ou que não sejas lembrada, esta minha memória tão boa as vezes me é um pesadelo. Faz algumas noites que eu sonho com a senhora, sonhos confusos e perdidos, não os tenho tão frescos à superfície das lembranças, mas eles voltam e revoltam e fazem tantas voltas...
Sinto saudade de quando sentávamos para tomar café, aquelas verdadeiras sessões de terapia profundamente mútua; quantos segredos meus levaste contigo? Foram tantos, quantas vezes chorei no teu colo e aquele era o melhor lugar do mundo - e cá estou eu querendo esse colo pelo menos mais uma vez -, ainda o é, mas não existe mais, aliás, tanta coisa deixou de existir, tanta tanta coisa. Sabe, Vó, muita coisa mudou e as vezes ainda tenho a sensação de apenas sentar no sofá e te esperar voltar pra casa.
No meu sonho a senhora me telefonava e aquilo me vibrava a alma, meio acordado, meio dormindo, no profundo despertar eu reconheci ser apenas um sonho e logo me lancei numa triste saudade vazia, procurava teu colo no tecido do travesseiro, tua mão, teu afago. Eu sei bem que nada disso jamais voltará, mas esta saudade sem fim permanece como uma tatuagem. E nesse meu sonho, onde eu era a senhora e a senhora era eu, eu ouvia de mim o teu chamado, teu chamamento eterno "meu filho", "meu amor" e eu esperava tanto por ouvir tua voz. Engraçado, quase nunca me chamavas pelo nome.
Tão estranho, não sei explicar nem esse e nem tantos outros sonhos que tenho com a senhora. Mas, sabe, Vó, me liga, me escreve, prometo não manter tanto silêncio a ponto de nem saber por onde começar. Como está o Vô? Prometo logo escrever pra ele também.

Com saudade,
Frederico Fagundes

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Vento Na Janela

No abraço, ela chorou. Perdido, sem saber o que fazer. Ele a abraçou forte, fez-se de escudo, manto protetor, sobretudo, capa; por frações de segundos a tornou invisível, nenhum lugar do mundo a faria sentir-se tão protegida como ali. Nos olhos dele brotaram lágrimas amargas, elas tomaram o lugar do riso nervoso de qualquer outra situação e ele a segurou mais firme.
“Chora, meu amor.” – Pensou sussurrando para si mesmo.  “Deixa tudo escorrer pelos olhos.” Acariciou-lhe as costas. A chuva parara, o tempo também, o vento batia no vidro da janela e o infinito do céu cinzento os absorvia animalesco e acolhedor. “Adoramos dias assim.” – Pensou de novo. Não era para haver tristeza, não hoje, não assim, não não. Ele a acolheu nos braços, transmutaram-se, ela respirou fundo. Olhos marejados e ele sentia como se as lágrimas escorressem pelos próprios olhos.
[Pausa]
Calmaria. As mãos pequeninas deslizaram pelas costas, chegaram aos ombros. Olhos grandes, mas tão pequeninos, maquiagem borrada, mas havia um brilho naqueles olhos; as lágrimas deram lugar à calmaria. Ele passou o dedo pelo rosto dela, tão puro, tão lindo. “Vai borrar ainda mais.” – “Claro que não, to fazendo direito.” E continuou com o dedo pelo rosto. Um breve sorriso, outro abraço.

O vento batia na janela, outro vento, outros ares, ela está segura nesse abraço, ela sabe disso e ele sabe que ela sabe. Se abraçam. Um, apenas um. Caminham abraçados pela cidade velha, o trânsito, calçadas velhas, conversam pelas ruas estreiras, sempre abraçados; sempre um.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Fica...



Ele nunca quis machucá-la, é bem verdade. O quarto frio embalava um sono descompassado, agitado e confuso. Ele estava ali ao mesmo tempo em que não estava, havia apenas o nada, a imensidão escurecida, a sombra da ausência escurecida, de olhos borrados, manchados, pintados de água salgada e tinta preta. E a dor? A dor confusa e impiedosa, cruel, torpor fúnebre do desalento inconstante. Restou apenas a dor. Companheira indelével, deturpadora.

“Eu quero que você fique”. Música silenciosa, silêncio ensurdecedor e a presença da ausência. Nunca foi a intenção dele. Insônia, a visita de uma velha amiga desgarrada, perturbadora, cruel; tomaram chá lúgubre durante a noite inteira, estranho, a água era salobra. Bebi da fonte inoculadora de toda dor.

A chuva salpicando o telhado soava como trombetas dissonantes, o turbilhão sinestético se dissipara em apenas uma sensação “você é um lixo”, desse lugar não tem como passar, o fundo do poço nunca fora tão lamacento e obsceno. Em tudo restava apenas o vazio perturbador. Ele pensou em ligar no meio da madrugada, pensou: ela não atenderia. Queria tanto dizer que a ama, gritar esse amor aos quatro cantos. Ela não atenderia. Perdido, estupefato, sem força de manter-se em si.

“Eu quero que você fique” – sibilava baixinho enquanto olhava o teto, falta uma parte e agora é tudo vazio, “volta”, “não desiste de mim”. Devaneios e mais devaneios, a presença impressa pelo quarto inteiro, pelo mundo inteiro; no chão da rua os dizeres ainda estavam escritos quando saiu para encontrá-la, pensou em voltar, queria aquela porção de terra e areia, seguiu em frente. Subiu no trem em direção à ela. O Estômago dava voltas, sentia que a qualquer momento vomitaria um amontoado de nada e fumaça.

“Você está detido.” Perdido em um labirinto kafkiano, apenas isso, o nó no estômago, os olhos procurando qualquer sinal, impossível, não há sentido. Lampejo. Uma vitrola, uma estante para livros, planos, objetivos devidamente anotados em uma caderneta de planejamento; beijo roubado, sublime, o ar preencheu os pulmões, vida. “Fica”, ele pensava.

Fica... Beautiful girl, stay with me....sem o blazer branco.



Fica...

sábado, 27 de setembro de 2014

(Su) Real

Hoje quis te abraçar como lá na praia, o som do mar ecoando ao vento e teus olhos atentos lend’um bilhete, quis tua mão, teu cheiro; quis tua presença na ideia de tornar viva mais uma vez essa memória tão apraz. Decidi te criar em alguns versos, mas logo os perdi, fugidio decifrado percebi o gosto doce desta tarde. Alguns rabiscos e outro versos, outra vez os perdi na imensidão da memória, tantas cenas relembradas, tantos "entantos" e, no entanto, tua passagem deixa tantos vestígios. Não os mesmos dos nossos passos na areia, mas vou além, vestígios de algo tão oblíquo à razão cotidiana.

Me perdi na irrazão da tua presença quando nem o sol era perturbador, e a voz pungente tomava conta do ambiente. Daí o toque, o carinho escondido entre os dedos, na destreza punguista onde desfaz a guerra tão inerente a mim: paz. N’uma palavra apenas e nada mais, paz decifra a crueldade indecifrável de mim mesmo, mas temo transformar a memória em relato, “lembrar, escrever, esquecer”, temo jorrar tudo em tinta e papel, as guardo pra mim em letras imaginárias e arabescos modernos. Dos trapos de mim mesmo a ousadia os transformou na vestimenta tocada pelo vento.
Nessa mímica fantasiada eu durmo sem querer acordar, mais me lembra um sonho agradável onde os personagens caminham pela praia e nada mais importa é apenas o mundo, aquele mundo, os dois, apenas. Se a vida imita a arte, então essa imagem é eterna aos olhos do mar, talvez aos olhos do sol, das gaivotas fugindo das lentes arrojadas da câmera fotográfica, quiçá. Quem dera eu saber se elas não vão contar umas às outras sobre ter visto duas pessoas felizes. Eu continuo gozando da minha prosa estranha e desengonçada, mas é assim na minha memória, funciona assim na minha cabeça; no final das contas, a parte mais sem sentido acaba tendo sentido pleno. Tão pleno quanto um passeio na areia mole e banhados pelo vento forte.
E na rua tudo se transforma, se transtorna enquanto paz aterradora; é estranho como toco sem nem saber, momento-já onde meus dedos tocam o corpo e desferem sinceros carinhos, não poderia definir, nem remontar algo assim, seria demais, a remontagem seria transitória enquanto a ação, em si, tende a deixar marcas eternas na alma. Digo meu nome e depois o teu, ou vice versa, nessa semelhança tão diferente onde tua presença ausente encheu a praia. Eu me acalmo e solto a tua mão, mas tento pensar que tenho um lugar especial no teu coração; mesmo eu sendo essa indecifrável obra de arte mal feita e totalmente torta, me olho no espelho e tento pensar nisso, nesse lugar que talvez eu ocupe.
Talvez eu seja mais uma peça surrealista e tu uma peça também surrealista, não importa, os pés tomam todas as direções possíveis e, no entanto, mesmo sem ser nada, temos todos os sonhos do mundo, esses pouco importam, mas em saturno os anéis pendem num caos completamente ordenado, afinal, sonhos são sonhos e nós temos todos os do mundo. Talvez um café em Paris e um almoço em Frankfurt, um sol da meia noite em Helsinki e tudo passa tão rápido, porque é assim, na modernidade tudo é líquido e escorre tão rápido que nem percebemos, o tempo verte pelos ponteiros e nos perdemos constantemente.
Poucos percebem o que há por trás de um quadro surrealista, assim eu posso me encaixar, meu surrealismo não da atenção à forma, apenas percebe o decorrer de toda a compostura da tarde de sol quando fui pintado, aliás, vim ao mundo em meio à chuvarada, ao fim da tarde, início da noite, sou da madrugada e isso é bem claro, mas no lampejo do olhar algo me desvenda por trás das formas tortas e sinuosas, de certa forma esse vislumbre não veio à toa, mas nessa rua de mão dupla da minha vida, onde todos apenas passam e ignoram, você estacionou e tentou compreender o sentido.
A rua leva ao mar na tarde de inverno, que é muito mais bonito, leva ao caminhar pela estrada, talvez à todos os sonhos do mundo, mas o teu caminho leva à saturno e lá os teus olhos brilham mais no escuro. Não sei, frases de impacto fazem a minha cabeça e isso é pululante como o calor do abraço. Me tumultua como uma agulha e eu me escondo muito bem, ninguém jamais saberá disso, jamais eu seria perfeito, nem quero, o perfeito é simétrico e simetria é o anti-surrealista, apenas sou isso que sou quando meu carinho te encontra do nada. Olhar pra ti é como um espelho de mim mesmo, porém um reflexo conciso e mais bonito, profundo e complexo.





sábado, 2 de agosto de 2014

Kajra Re

Do nada o vinho ocre avinagrado voltou a ser doce, doce púrpuro nesse ar tão perfumado de jasmim que respiro. E são tantas coisas para escrever, falar, gesticular, me prendo à poucas e tento manter-me conciso, desgraçada tarefa da síntese onde me perco na extensão do teu corpo, na profundidade dos teus beijos e na imensidão do abraço, por isso não sintetizo mais nada, quero a fissão nuclear dessa energia tão avassaladora e profunda que me impulsionou do tédio e preencheu o vácuo existencial com tanta jovialidade. Mas, nisso, não me importo de ficar perdido entre tantas palavras e coisas e coisas e mais coisas e outras palavras, nesse respirar profundo de terminar uma sentença.
Aliás, um respirar profundo do aroma de jasmim a invadir meu quarto, minha cama, meu mundo, minha vida; esse aroma esgueirado pelos cantinhos, pequenino e ágil me deixa ofegante ante gemidos e suspiros; dos olhares e dos paladares. O gosto doce do recheio com o qual lambuzo a boca toda sugando cada gota.
É bonito e combina com Paris, algo misto entre azul violáceo e vermelho do vinho, não sei bem explicar, mas é bonito, porque uma mesa e um banco retém uma história. Eu caminho todas as noites pela mesma rua, volto pra casa com a sensação de plenitude, completude, também não sei explicar, sou péssimo com definições – gosto de ser assim -, a mesma rua que já me viu prantear e suspirar profundo, hoje me vê sorrindo bobo e balançando meu guarda chuva, ou melhor, minha bengala imaginária, daquelas usadas em Paris antigamente, é, esse amontoado imaginário onde, sob ele, podemos tudo, nem que seja parar no meio da rua e trocarmos um beijo enquanto o temporal mostra suas garras. Não me importo muito de me molhar.
O disco roda à 33 rpm e o tempo para, tudo derrete, se faz, refaz, torna a moldar um circunspecto infinito da tua presença e o tudo simplesmente cede à paz. E eu furo o disco ouvindo Peter Gabriel, tomo um gole, ou dois de vinho, a fumaça se dissipa e eu te vejo por entre as brumas da rua, uma beleza primaveril no inverno cortante. Sigo
me perdendo nestes tantos pensamentos onde tu te esgueiras e os invade de forma tão serelepe, como uma criança pulando poças d’água pela rua ou não pisando nas linhas dos ladrilhos, pra não morrer. Essa jovialidade, esse sopro jovial também invade cada parte do meu ser e me retira do profundo da clausura, tanto me apetece que sempre espero pela próxima vez.
Não temos Paris agora, mas poderíamos ter, mas quem se importa, na verdade, quando, no fundo, construímos um pequeno universo tão repleto de tantas coisas. Um dia, sob a lua, às margens do Sena, será possível ver todas as luzes da cidade e caminhar pelos boulevares, passagens, nos esgueirarmos pelas passagens secretas da velha Paris, sentar e tomar um café, ver rinocerontes, bebericar um gole ou dois de vinho, esse vinho doce que tu trouxeste de volta à minha boca.
Então eu olho pela janela e admiro as brumas da madrugada enquanto a fumaça evanesce e se perde na bruma desse inverno tão aconchegante e repleto de acalentos, este movimento perspicaz dos meus dedos a narrar tantas coisas, frenesi de uma cabeça tão repleta de pensamentos, informações, coisas, planos e mais planos. Nos fragmentos de tudo que sou, tenho em mim algo inteiro. Um.





sexta-feira, 4 de julho de 2014

Polisipo

Fiz e refiz os mais diversos embalos e sorrisos, criei tantas barreiras que hoje formam um labirinto sem fim, sem rumo, sem destino, apenas uma entrada e nenhuma saída. Os corredores todos levam a lugar algum, as paredes sólidas todas iguais, da mesma textura, todas tão cinza-escuro. E nada se move lá dentro. Apenas mais um lugar dos tantos. Tantos anos perdido nesse labirinto inconclusivo e banhado de esperança, não não, nesse lugar não há esperança, alguns dizem que a esperança é verde e cinza-escuro jamais será verde. Não importa, não mais.
Nem todas as paredes são tão altas ou lisas que não possam ser atravessadas, mas nem tudo é como um passe de mágica, as vezes as portas de saída estão apenas escondidas em determinados espaços, basta apenas um pouco de luz ou algo assim, também não sei ao certo, os dias são interpelados por tantos mistérios tão alheios à minha capacidade de compreensão, também não me importo, aliás, mistérios nunca me importaram tanto, ou importaram, não faz sentido discutir sobre isso. E há tantas coisas por trás dos olhos, incontáveis e infinitas e ser tragado por eles é uma sensação nova e surpreendente, diferente, misteriosa.
De repente tudo muda, os rios mudam de direção, o mar se acalma e as gaivotas somem da objetiva, no mesmo repente existe tanta paz incapaz de ser descrita. O espelho no final do corredor muda noutro reflexo tão de mim, no entanto, mais bonito. E na rua, sem lenço e sem documento, meus passos leves transitam entre a multidão e sinto o ar gelado me tocando a tez, tudo se dissipa e sigo caminhando. Os cafés se encheram de vida na vertigem crescente dessa tão constante presença, que de mim bebe tantas coisas boas.
Em saturno tudo é muito mais fluido, eu fico absorto ante a presença. O respaldo me empalidece, me estremece, num repente e tudo parecia tão perdido e vazio, eis a mais poética de todas as cenas, ali, diante dos meus olhos, aquele quadro que urgia por ser lido, observado, admirado. O fiz sem temer consequência alguma, uma pintura tão surrealista como a minha, livre ao vento tragando a vida e baforando a imensidão de tanto nada quanto eu. Tempos depois senti uma explosão mista entre napalm bruto, - você sabe, napalm, gasolina com serragem e glicerina, assim que se faz napalm e eu aprendi com Tyler Durden – e um balão cheio de confeitos. E tudo ficou doce.
No caminho de volta nem percebi as paredes, tampouco cinza-escuro. Estranho como saltos temporais são derradeiras para a fluidez, mas rios não correriam tão belos se em algum momento não houvessem cachoeiras. Numa dessas eu desci como quem brinca com água, não me importei com pedras no caminho e nem nada, afinal, a parte de ser nada, tenho todos os sonhos do mundo e isso basta. Não, não apenas isso, mas tantas coisas simplesmente bastam, um beijo, um carinho, um abraço, bastam e depois fica a vontade de querer mais e isso basta. Basta querer mais pro napalm ter efeito completo, tudo aceso, as velas e tantas outras coisas, uma chama bem maior, inexplicável, intrínseca ao caminhar pelas calçadas, pela rua, pela praia. Também basta essa chama e as paredes se desfazem e abrem portas.
Sendo assim, nesse mundo de tão poucas portas eu abri e deixei entrar, me permiti, permiti a vida ser fluida, dei espaço a saturo, dei espaço a ela e simplesmente permiti. Apenas a imensidão do meu pequeno mundo de porta e janela, tão cheio de mim, inundado por ti. Entre minhas tantas notas e anotações, excertos e abstrações eu procuro um final adequado para as linhas desse texto, mas não o quero, não vejo o fim; e isso basta, continuidade é tudo.

Refaço, faço, desfaço, dobro e desdobro. Continuidade, fluidez mesmo turbulenta. Eu não quero o fim...




terça-feira, 10 de junho de 2014

Prosa e Verso

Nessas linhas, tão minhas quanto tuas, entre palavras manchadas de saudade e calcadas no pulsar da fibra que me mantém, eu desdobro a letra tão repleta de desenhos, a minha melhor letra, passo a limpo do rascunho feito em um papel de carta tão bonito.
Distende a falta que me faz o doce despertar melodioso, as palavras lidas logo ao acordar, algo tão repleto de todas as melhores coisas do mundo, na doce voz a embalar meu acordar, o toque dos dedos mexendo nos meus cabelos, as risadas matinais.
Sobre a mesa papéis repletos com a tua presença, a suave chuva batendo no teto em uma tarde da preguiça, os lençóis mornos aquecidos por nós dois. Nesse lugar tão cheio da tua presença, em livros assinados com "Fagundes" e você está em tudo, das menores às maiores coisas, tudo pulsa à tua imagem. A Vênus das peles pedindo para ser lida pela vênus em pessoa e eu, dionisíaco como só, beberico o vinho ao embalo da música que conta tudo de nós.
Roubo algumas flores de alguns jardins e guardo todas para fazer um buquê. Nesse tempo onde tudo mudou, o reflexo desmascarado no espelho, apenas eu e tudo o que há de melhor em mim, tudo tão teu, quanto apenas teu. Dessas flores coloridas, sem importância de combinação, monto um ramalhete que só cresce na espere pela entrega.
Saudade, companheira constante, dor sádica aprazível ante tua existência, apenas nela existo por completo, na existência do um pleno de nós dois. Dobro, redobro e desdobro, faço e refaço tantos planos. E teu vestido esvoaçante embala teus passos diante de mim, violinos e castanholas, uma festa tão cigana, tão nossa, na alegria do pulsar das almas enfim (re)encontrads. Tantas vidas, tantos dias, tantas horas, tantas auroras. E eu conto os dias, os poucos dias que faltam.

domingo, 8 de junho de 2014

Padrinho

Eu herdei um jarro de cachaça cheio de butiás, mas ainda preciso completar com uma boa cachaça, tão licoroso, doce com residual amargo. Posso sentir no palato o gosto suave da bebida e o residual ocre no fundo da língua. Herdei algumas fotos em álbuns de família e ficou um vazio tão estranho. Você partiu e eu fiquei me perguntando o que houve de verdade, não é possível, surreal demais. Mas foi assim e nada tenho mais a fazer, senão lamentar tantos anos sem poder ter te visto.
Me lembro perfeitamente, eu voltei meio bêbado, meio são de uma festa, tomei um drink chamado disco voador e eu precisava chupar um limão, mas tinha sol e eu fiquei com medo. Depois bebi algumas cervejas, meu amigo estava discotecando e lembro de ter tocado alguns funks estranhos e, mais estranho ainda, eu ter dançado tudo aquilo. Era um  sábado comum à guisa da rotina. E eu lembro ter bebido tanto, eram tempos caóticos e completamente deslocados, em poucas horas, foram quase dois maços de cigarro.
Lembro perfeitamente do meu estado embriagado ao chegar em casa, peguei o telefone e reparei em algumas ligações muito incomuns, retornei. Minha avó falava aos prantos do teu mal estar e eu fiquei apavorado. Outras ligações. Meu pânico completo, desespero e fiquei sóbrio instantaneamente.
Movi mundos e fundos e desloquei tantas coisas, tantas coisas na esperança de te ver por uma última vez. Ironia, você era mais novo que meu próprio pai, não poderia acontecer isso, era a sua função ficar no lugar dele caso acontecesse alguma coisa, não era justo e o pânico era imenso. As refeições indigestas, nem o cigarro tinha gosto agradável mais. Tudo estava estranho, desmoronando aos poucos, logo você, forte feito um cavalo de raça, por quê?

Rumo ao terceiro ano sem a tua presença, mesmo que completamente ausente, estranho como você representava tanto e de uma forma completamente incompreensível, invisível, você se foi e o caos reinou, sem ordem e nem nada, apenas tudo caótico. Inclusive a saudade.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Outro Dia

Atrasados para o trabalho, desde cedo estavam preocupado com trânsito, filas, engarrafamentos, a correria da manhã lhes tinha aturdido os sentidos, em situação semelhante vivem os lotófagos, enebriados eternamente pelo transe causado pela lótus, assim a vida moderna atinge a todos. Os dois lutavam constantemente contra isso, com devido sucesso, davam vez a outros pensamentos ao invés da correria cotidiana; os anos passaram e tudo estava em ordem.
Naquela manhã específica reinou o caos, era uma reunião importante, decisiva, ambos estavam apressados, haviam sido tocados pelas garras da lótus moderna. Num repente, no assombro fatal da lucidez se deram conta da realidade perturbadora, trocaram olhares breves e famintos. Aos beijos se atracaram de encontro à parede, não resistiram ao desejo contínuo dos corpos, mãos, dedos e unhas traçavam acrobacias engenhosas pela pele, o nó da gravata já desfeito, a calcinha já estava atirada do outro lado da sala.No frêmito constante ele levantou-lhe a perna com indescritível rapidez, o sexo duro procurava famigerado a doce espuma dos prazeres, na força do tesão penetrou-lhe as entranhas, gemidos embalavam as estocadas rápidas, penetrava-lhe o sexo com a alegria diária de cada encontro. Soltou os seios do soutién, apalpou todo o volume, mordeu os tesos mamilos.Ele deslizou a mão até a bunda e fez força levantando o corpo que vertia néctar ao seu pênis, as pernas dela amarravam-se à cintura dele, a pele esfregava, roçava, a sala já estava completamente dominada pelo cheiro de sexo. Colocou sua amada no chão, dando a ele as costas e encostando o rosto na parede, penetrou-a de costas, com força, o rosto dela esfregava na parede gelada, puxava-a pelos seios, extasiados, sobre ele, ela derramou o tão violento gozo, as pernas tremiam, o líquido escorria pelas pernas.
Afirmou não querer gozar, disse à noiva preferir guardar cada gota para as lubricidades da noite. “Coloca a tua calcinha, estamos atrasados.”, obediente e com certa pressa, colocou rapidamente a calcinha de renda, ajustou o vestido e apalpou os cabelos para saírem. “Sério mesmo que você dispensa o gozo? Ainda tá duro.”, “uhum” – respondeu ele.Refez o nó da gravata e ela o alinhou; ao das as costas, a doce senhora sentiu seu braço puxado para trás, assustada, questionava o que havia acontecido. “Acha mesmo que não quero gozar?”, e levantou rapidamente o vestido, enfiou o pau entre as coxas, roçando a cabeça latejante entre os lábios ainda molhados daquele sexo tão dele. Verteu o sêmen entre a calcinha de renda e o clitóris, gemeu, não perdeu gota alguma, cada jorro fora abraçado lascivamente pelos lábios ainda molhados.
“Agora, sim, podemos ir.”, “Safado” – ela respondeu. “Agora vais sentir cada gota da minha porra durante toda a reunião e, enquanto isso, ainda vou te lançar todos os olhares mais perversos possíveis.” Seguiram até a porta, deixaram o recinto com aroma de sexo. Sempre bebiam dessa fonte profana. Entraram no carro e partiram para a reunião, quase satisfeitos, aquele fora apenas o começo de mais um dia.

domingo, 18 de maio de 2014

Linhas

Continuo minha aventura, entre versos e estrofes, mesmo que únicas, tão únicas quanto teu abraço e os teus beijos, único como o toque do teu corpo, a imensidão da tua alma, o corpo que me acolhe em carícias e amores, única estrofe, tão única quanto tu.
Então me desamarro das longas linhas da prosa, me embriago na tua poesia inspiradora, se tenho uma musa, minha senhora, essa musa és tu. Vênus das madrugadas a embalar o cosmos da minha existência. inspiração una de todos os meus amores. E quando de ti a saudade estende suas garras, transpasso-me os versos, a sílabas, meus versos tortos e inaudíveis, terríveis enquanto forma e tão belos enquanto sentimentos. Oh, doce Vênus, Deusa dos meus sonhos, das minhas inspirações. Como pode, tu, senhora de minha alma, encantar-me tanto às aventuras poéticas donde meu peito explode em volúpias entre as linhas brancas da tua pele?
Embalo teu sono ao som do lápis manchando o papel, linhas e rabiscos, todos desencontrados em notas nos cantos das páginas; no calor da tua pele encontro a paz nas noites frias, vindoura e terna, tua boca me toca os lábios, então alimento tua alma ao embalo de uma métrica torta comida em fatias.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Núpcias

Oh, musa. Bela imagem a me tentar, que no riso a embalsamar, desfolha em mimos os teus encantos. Musa dos cabelos vermelhos e adornados, do alto da tua beleza obliteras o meu pranto em cálidos amores, como um véu aveludado, teus braços a mim se prendem; tua boca me toca os lábios na pura forma a materializar-se no arrepio que me causas.
Doce Vênus passante no jardim das minhas auroras, onde tua volúpia me prende e conduz pelas linhas do teu corpo. Nada temeis nos meus braços, minha senhora. Andemos, andemos pelo bosque dos prazeres, o vale entre teus seios palpitantes e tesos ao perturbador toque da minha língua. Pálida luz a cobrir tua pele, ante a forma no súbito suspiro a cruzar entre teus dentes, no aperto dos lábios tua mão repousa firma sobre meus cabelos. Arrepios cruzam teu corpo embalado ao som de gemidos; resfolegante, tua respiração cortada abafa dizeres tão singelos quanto pervertidos quando meus dedos já repousam sobre teus lábios úmidos.
Os dedos penetram teus lábios enquanto tua língua percorre minha boca, os murmúrios soam como litanias antigas dadas apenas aos amantes mais ardentes, tuas unhas rasgam minha pele, a dor marca  no doce e ébrio sofrimento do prazer. Tu, Vênus, que me amordaça à tua boca e me arranca a respiração, adornado seio cujo aroma desfalece a força e desponta o mais profundo tesão da minha alma.
Teu corpo, então, se apodera de mim, a engolir-me ao ventre todas as forças, vibro ao som do teu desassossego, nos gemidos embalo a força crescente do desejo ardoroso pelo teu sexo. Enquanto teus dentes enfim encontram minha carne, tenho em mim todo o néctar da mais bela e gozosa das flores; lambuzo-me como uma abelha em frenesi.


O gozo quente verte nas tuas entranhas, te inunda como um dilúvio embalado ao som do estampido na pele, as pernas abraçando meus quadris, sufocando em mim todos os movimentos; uma planta carnívora a engolir-me em plena noite das bodas, núpcias amorosas envoltas na glória da lua no reflexo da tua pele banhada por ela banhada, nossos corpos unidos em êxtase fervoroso. O plasma combinado, o plasma do instante-já, minha Vênus. O aqui e agora do eterno.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Devaneio

Mais uma vez, outro dia, outra hora, outra aurora, num momento tudo se dissipa na imensidão sinestética, fortaleza repentina de toda a lucidez. O morno abraço desdobrando-se ad infinitum, uma palavra sussurrada, uma palavra cantada, doce canto, encanto eterno repentino, do cinza-escuro às matizes coloridas refletidas em olhares e gestos. Gesto, jeito justo num piscar de olhos.
Embriago-me ao som da voz, doce encanto, o teu canto nos milhares de gestos justos intercalados aos beijos e jeitos. Não mais dou-me ao luxo de pensamentos vazios e errantes; embelezo versos às batidas retumbantes desse encontro. E agora estou aqui debruçado sobre a mesma ponte de outrora, onde tudo mudou, mudou na beleza infinita do rio constantemente mutável, na instabilidade das razões e sensibilidades dadas à alma. Mudei da fisionomia aos anseios, mesmo a plena escuridão da noite agora é tocada pelo belo brilho da lua.
Houve um mundo sombrio e melancólico, já levado pelas águas do rio. Respiro, meu corpo se inunda com o ar fresco da madrugada, a lua já brilha mais que o sol; o vinho embala brindes e despoja a tristeza, a poesia me embala sorrisos e boas aventuranças. Na estrada sigo andando, mãos dadas, taças cheias, risos infantis. Eis, na efêmera existência dos corpos, quantas vezes o espírito fora encontrado, reencontrado? Força pura a emergir ao palacete da boa prosa, da boa poesia.

Ao lado, lado a lado, o vento frio bate no rosto, intenso, imenso, um corpo aquecendo o outro, a noite mostra nas entrelinhas das nuvens o aconchego e a paz, a suave neblina, o calor aconchegante, o império dos amores. A cadência dos passos, o rio reflete agora a imagem completa, atravessamos a ponte, bebemos do vinho. O reflexo nunca mais será o mesmo.

sábado, 10 de maio de 2014

Tesão

Enquanto entrelaçados,
Te deito em meu leito,
Sinto teu corpo quente:
Nas tuas mãos, tudo aceito.

Roubo teus seios da roupa,
Acariciando-os aos beijos,
Levando-te ao êxtase ,
Entregando a mim
A Flor dos Teus Desejos.

Beijo-te inteira - carinho e êxtase,
Enquanto me deixas nu,
Provocando meu corpo.
- espasmos e gemidos -
Embalo com lambidas teu delírio,
Ao furor do ébrio prazer.

sábado, 19 de abril de 2014

Enfim, Minha Vênus Adornada

Diante do espelho tua imagem repousava calma e imperiosa. Os traços borrados no reflexo iluminavam o torpor do ambiente repleto de vapores. No divã, deleitava-se em tua plena forma sublime em teus olhos descobertos, do outro lado eu a admirava em plena forma. Há anos tua imagem era apenas uma forma encoberta no lusco-fusco da eterna espera, sublimava tua forma aos meus mais doces desvarios. Eras apenas o reflexo envolto na mais bela pele e dona do mais sublime dos perfumes.
Não tardei a te reconhecer, Vênus; Ticiano não seria capaz de pintar tão perfeitamente os detalhes da tua alma da forma como eu vislumbro as mais tênues das partes que te formam. Com o passar dos anos tua imagem se tornava um mistério cada vez maior e, proporcionalmente, aumentara a angústia por descobrir tua real forma. Então, ante tua beleza estonteante, retiraste o véu que cobria teus olhos e te mostraste a mim, tua imagem desconcertante me deixou sem fôlego, reparei enfim quem era a musa a guiar a pena enquanto eternamente escrevia a ninguém.
Perante às máscaras escondi meu rosto, escondi as marcas invisíveis que teus amores traziam às minhas madrugadas veladas na incessante espera pelos teus beijos e carinhos. Então, no resfolegar trôpego da natural embriaguez, nossos caminhos se cruzaram, tuas mãos tocaram as minhas enquanto tuas palavras ecoavam pela minha alma. Teus dedos cauterizaram as feridas da alma, teus licores embriagaram meu coração em amores e carícias.
As pantomimas ausentaram-se frente à realidade expandida da tua presença, a névoa dissipou-se no calor do teu corpo junto ao meu.  Eis a magia onde curamos nossas feridas, Ticiano teria orgulho de mim ao ver como te retratei. No frio, teu casaco acalentou a alma que tanto te procurava em meio à poesia, teus versos quando, a mim, mostraste quem realmente és...Ora, dilúvios não me afastariam de ti. Aquela a quem pintei sem ao menos saber quem era, minha plena idealização do amor, tu, minha Vênus.

Ao teu lado caminho compassado, o ébrio torpor agora desfolha risos e um mundo apenas nosso, esse mundo ausente da tristeza de outrora, refletiu na matéria pura pulsátil a forma tão clara quanto o verde do mar a alegria a vibrar na fibra. A dor que enlaça o espírito à dor vivente transmutou-se na mais plena sintonia de harpas angélicas, nesse mundo habitado por nós dois, nunca uma longa conversa fora tão agradável. Eis a união metamórfica das metades, lugar onde o inteiro apenas desdobra sua imensidão no leito das nossas volúpias ou no riso infindável do amor.  Revelaste a mim, minha Vênus, tua forma sob a mais bela pele adornada no encarnado do espírito. Minha Vênus, minha Vida.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Dezembro

Eis o ardor da chama, a divindade máxima do mundo. Em qual repente se abre a porta cuja euforia deságua num profundo espaço onde reina a paz? Então cria-se o instante fugaz na qual as mãos se tocam junto dos lábios, no simples desenho perdura ad infinitum a sensação do real subjugando o fantasioso. Naquele desenho onde meus lábios tocam as tuas mão sob a fina luva de seda e o vestido de princesa recobre teu corpo por inteiro. O momento-sim a selar eternamente os mais profundos laços da alma.
O lugar onde o crepúsculo radiante distende seus braços no infinito abraço do espírito, matéria envolvente da brisa morna do dezembro breve onde, na mais profunda sintonia, o corpo frente ao espírito desnuda-se em sinfonias melodiosas sob acordes dissonantes, jaz então, perpetuado, sob os olhos do divino, o extenuante anoitecer, onde a lua divide espaço no céu com os últimos resquícios de sol e nós dividimos o beijo eterno.
A glória exerce sua própria função de perpetrar a longa jornada do outrora cansado corpo e, no mais belo entardecer de dezembro, o brilho dos olhos cintila pululante a alegria a vibrar na fibra que enlaça a alma à antiga dor vivente. Creio, na sinonímia dos seres, a pungente descoberta sobre o verdadeiro sentido dos sentimentos. Mas, não, esquivo-me de definições, não creio na falácia dos esteriótipos, apenas me recordo de um dezembro passado onde as almas se reencontraram.

Desfaço-me das armaduras enquanto vivente, deixamos o trôpego caminho assaz extenuante; no eterno abraço a alma encontra repouso às chagas que a si foram causadas, reflete nos olhos a completude, eis a valia sobre todas as outras coisas; nossos corpos, nosso espírito entrelaçados ao infinito na mais estonteante fortuna.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Ensaio

Ensaio mil sorrisos desnecessários,
Ensaio o abraço duradouro.
Ensaio frases rebuscadas.
Ensaio teus versos enquanto vivente.

Desfio na pura matéria que me agrega
A imposta onda a suplantar a distância.
Mas nessa carta de amor ensaio a letra,
Ensaio o riso a desdobrar-se junto ao teu.

Nas páginas dessa carta eu escrevo
A razão do meu sorriso, o motivo.
Imperam nele as doces palavras,
O vermelho vivo do teu cabelo.

Nesta carta não envio alegrias,
[Nem tristezas]
Desfio a distância e a refaço
No abrigo dos teu abraço.

Os teus braços donde repouso meu coração,
Doce murmúrio, este que sonho
Onde teus braços me envolvem,
Teus lábios tocam os meus.

Me endoudeço ao vinho,
Permito-me ébrio delirar.
Ao embalo da tua imagem
Permito-me divagar.

E às noites, ao embalo do sono
Te encontro em sonho,
Lugar onde não há distância,
Há apenas eu e você.

Ao despertar dos teus beijos,
Desperto envolto no véu
Que desperta meus desejos.
O véu que nos envolve e nos mantém.

E novamente fecho os olhos,
Toco mais uma vez tua boca,
Bebo o vinho dos teus lábios
Ao vibrar de minh’alma.

Sigo ensaiando mil sorrisos,
Mesmo desnecessários,
Pois a ideia da tua presença
Me abraça em tua ardente ausência.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Till our last breath

Faz, refaz, reflete em si a pura forma de toda a pureza de si. No espelho o objeto enquadra a forma do caminhar uma vez tomado o progresso do devaneio. E ele repousa sobre a cadeira macia com o formato do seu corpo, aplica nela o próprio peso e se debruça sobre algumas folhas antigas.
Rabisca numa folha de papel, faz desenhos sem sentido algum, a fumaça dos vapores toma conta do quarto, aquele quarto um dia seu, em uma cabana perdida no nada, distante, o último refúgio de todos os vícios, naquele lugar a virtude deixara de ter lugar há tempos. No lugar reinava o caos, a lúgubre essência da matéria poética.
Enfim, como o sol a sair do meio das nuvens, algumas batidas na porta, reconheceu as mãos delicadas, eram mãos femininas a bater na porta.
Enrolou por alguns segundos, caminhou por antigos tapetes e desviou de algumas madeiras velhas, antigos medos, antigos obstáculos. Parou, olhou-se no espelho, a barba por fazer o condenava, aquele lugar não era habitado, era insólito e decomposto. Com alguma pesarosa aflição abriu a porta, cerrou os olhos, a luz do sol lhe queimava os olhos, a escuridão tornara-se sua única companhia.
- Olá, o que te traz à um lugar tão ermo?
- Nada em especial, mas é hora de ir embora, muito tempo já se passou e esse lugar não é mais pra você.
Por razões desconhecidas, aquele abismo já tinha dado seu tempo, a permanência lhe era fustigante ao espírito, bastava do poço, bastava de permanecer na lama que o envolvia.
- Preciso um tempo pra fazer as malas.
- Nem mais um segundo, vem.
Segurando Franz pela mão, puxou em direção à ponte que ficava defronte à saída da casa. Sem motivo algum, aquele toque mudara completamente toda a percepção de todas as coisas acontecidas até então.
De mãos dadas caminharam pela ponte. - Tanta coisa mudou desde que cheguei aqui. Argumentou Franz.
- Você não mudou, você se adaptou de tal forma a tudo, que tudo parece diferente, mas, no fundo, a essência permanece da mesma forma como um dia esteve. Na tua alma grita o amor que nos mantém de outras vidas, outros dias, outras horas, outras auroras.
Ela o abraçou, em seu abraço acolheu uma pobre alma despedaçada, colheu alguns cacos que ficaram pelo caminho. Durante tal operação, alguns pedaços se fundiram uns com os outros. Há algum tempo não havia razão para um sorriso. Tímido, Franz sorriu um riso tão leve quanto bobo. Seguiram de mãos dadas, tao vivos quanto as flores, tão cristalinos quanto o rio.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Forever yours...

Liberdade é ter um amor pra se prender.
Carpinejar


Há muito uma caixa estava guardada, escondida sob sete palmos de terra barrenta. Mas hoje tenho o que me basta, basta por si só, hermeticamente fechado e guardado num relicário guardado em teu peito. E a caixa? A caixa resgataste da maneira mais heroica já contada.
Nessa beleza me escondo em fluido vital de matéria à vida, dobro, desdobro e redobro a eloquência de um coração que bate por ti, coração inflamado em teus amores e embriagado em todos teus gestos delicados. Eis a forma, pura forma de toda a liberdade encontrada em ti, no amor guardado à sete chaves, no coração roubado e no charme chave de todas as palpitações. Ante tua bela presença adornada em encantos, em algum lugar do espaço/tempo as linhas passaram a ser preenchidas com outros tons e outras formas, resplandece, assim, no horizonte do mundo, uma nova significação. Os dias cinzentos foram tomados pelo puro sol morno quando caminhamos de mãos dadas.
Tu, bela, não reflete apenas a renovação da alma, mas a cor em si d'um quadro há tempos velho, cinzento e desbotado. O vermelho fogo coloriu o céu como um astro incomum e os jardins passaram a florescer na mais bela harmonia de cores.
Como, dessa forma, eu poderia distender meus carinhos senão a ti? E mesmo na tarde da preguiça, mesmo quando os dias são cinzentos e nublados, tua presença desponta como o sol a iluminar o gramado e a aquecer a alma na sensação insólita da tua presença. Nisso, a significação puramente se retoma ao próprio caminhar ébrio dos nossos passos e em minha alma pulsa a ideia  dos teus lábios repousando sobre os meus, tanto no "aqui e agora" como no porvir, onde os corações manter-se-ão sempre unidos.
Mesmo sempre tendo me visto como um diletante, me pus aos teus abraços e me entreguei aos teus amores, no ápice do meu tempo desfolhei em toda a matéria amorosa os meus mais belos versos, tão diletantes quanto bonitos, tão meus quanto teus. Tão presente quanto futuro. O nosso futuro, a nossa liberdade.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Quadro - Amor da minha vida

Mistérios rondam apenas as mais conturbadas e disponíveis mentes, incríveis formas, incríveis mistérios. Apenas isso e nada mais, somente a fugaz lisonja do desconhecido reverberando e ecoando por todos os cantos da mente de um amante. E assim todas as imagens desfalecem sobre pedaços imaginários de papel; esses, tão imaginários quanto o fruto de todas as divergências e convergências imagéticas possíveis singelamente refletidas nos teus olhos.
A estrutura da austeridade, a forma de cada traço rabiscado. A representação de toda beleza e encanto, a suavização de cada canto, cada traço. E assim escorre a cabeleira vermelha pelos ombros. Levemente recostada sobre o divã eu a admiro, tão doce, tão delicada, beleza de todo o encanto sedutor, memorável enquanto eco imagético de turbilhões sinestéticos.
Impulso incontrolável te olhar, te procurar em cada canto, vislumbrar tua presença, mesmo que ausente. Simplesmente implícito à tua imagem apolínea, donde a perseverança refaz a concretude do complemento, ao passo de imaginar o fatídico dia em que o ato, em si, é consumado frente às imagens angélicas e todas as ladainhas intromissivas e retumbantes. Novamente torna ao constructo quase pedagógico contemplador de todas as divindades, local imaginário onde o apolíneo e o dionisíaco se encontram no esplendor das almas.

Ante a própria imagem refletida no espelho, te divertes aos risos encantadores dos singelos mimos que te dispenso, emprego a teu reflexo o ardor dos meus olhos ao encontrarem os teus, reflito no reflexo d’alma o ébrio e tórpido sorriso encantado.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Ad Continuum

Então o que há de mais perverso senão o caminho em-si a se desdobrar num infinito desconhecido e literal? Qual a forma em sua (i) razão desvenda continuidade ou laço eterno?
O relativo apenas desfere como algo a gotejar numa calçada em meio aos transeuntes, e é nessa projeção entre o cheiro ocre e o gosto doce que reside a continuidade. Eis, na imortalidade do espírito, onde o âmago se renova na pungência de cada encontro. Mesmo neste espaço onde o tempo é suspenso, o instante-ja, fugaz, escorre entre os dedos.
Na verdade, o ressonante inspira a ação instrospectiva à própria morte, por sinal, mas essa também é desfigurada pelo véu da continuidade oblíqua ao vício. Receio recriar o impossível, mas, no entanto, as pétalas são matéria prima da relevância eloquente de um gesto na escuridão efêmera de corpos uníssonos cujo roubo se dá no âmbito da alma, em frente ao espelho é onde se dão as mais fantasiosas criações.
Qual a punição, então, sobre o roubo da matéria pulsante quando a virtude reclama para si todos os vícios?
Ante o próprio vício da virtude, a alma retém a tensão em plenos pulmões, mas, fugídio, o instante-já desfalece e se (re) dobra no vapor dele mesmo, deslocando-se, assim, junto a pura matéria da virtude. Logo, no tempo suspenso, rompe-se a relação com o espaço, fazendo com que o procure na escuridão gélida da noite.
Desfaz-se a crise em ardente fogo, tomba à guilhotina da percepção e retoma na coexistência o semblante frente aos espelhos paralelos. Existe algo de perturbador no infinito, aprazível como o crepúsculo opulento.

E na otomana repousam os pés, a inspiração desse momento-eterno onde o texto basta por si só, assim como o encontro de-si em outrem na pululante madrugada.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Esfinge

Fim. O relógio marcava quatorze horas. Um dia a menos, um dia a mais. Franz apanhou o paletó e seguiu em direção à porta. Girou a maçaneta e frouxou o nó da gravata. Entrou no carro, por alguns instantes pensou no calor insuportável, mas preferiu deixar de lado, a brisa era fresca e o carro andava rápido.
Chegou à sala de espera e já era aguardado. Alguns minutos depois entrou na sala. Na mesma poltrona de sempre ele o aguardava. “Boa tarde”, disse Franz. Com certa comicidade “Tarde boa e quente”, replicou. – Sente. Concluiu.
- Há algo de novo; mudou o estofado?
- Analítico. Não quer sentar?
- Hm, é estranho, novo demais e diferente demais.
Franz sentou-se no chão, certamente uma mudança brusca como aquela o havia causado, em algum nível, certa náusea.
- Além da mudança, notou mais alguma coisa nova?
- Ironicamente ver um cinzeiro num lugar onde não se pode fumar é algo estranho, mas não quero falar nada pior.
- Você pode fumar, se quiser.
- Estou bem.
Num impulso quase defensivo, Franz acendeu um cigarro. “Não vejo razão para trocar o estofado, sério mesmo. Qual era o problema com o outro?”
- Você quer falar sobre isso?
- Não. Não, de forma alguma. Mas também não sei sobre o que falar. Faz algum tempo, muito mudou, e nada mudou.
Com um sorriso único e frio, ele riu do comentário. “Sempre tudo muda, mas nada muda!”.
- Pode soar engraçado, no entanto é verdade. E outra verdade é que não sei por onde começar, simples seria sentar e observar como minha cabeça está agora. Enfim, já sei, normalmente é fácil perceber o quão rápido as coisas passam, os dias parecem mais curtos e a noite rende muito mais e em diversos sentidos. Nem mesmo o mais vil e cruel sono é incapaz de abater a presa. De alguma forma, quando o faz, em suas garras carrega o mesmo sonho.
Me vejo arrastado pelo menos corredor ladrilhado por hexágonos perturbadoramente simétricos, mas a sensação não é ruim. Por duas ou três vezes vislumbrei um quadro ao fim do corredor. Depois tudo escurece e tenho o quadro nas mãos e, no entanto, não consigo decifrar o que me diz.
Há um casal sentado, não os reconheço, mas são familiares e junto deles há uma criança.
-Você mergulha nesse corredor, é interessante a ausência do medo, talvez. E o que acontece?
- Eu acordo e a sensação é boa.
- E é em sigilo silencioso?
- Não, é mímica, distorção, já é um reflexo, uma imagem a me olhar e não a consigo ler, apenas uma poderosa forma onde o vermelho recobre a parte superior, mas não me fere os olhos ou sentidos.
Existe algo dissonante na ação em si, não sei ao certo se olho o quadro ou se, do quadro, me observam como quem aguarda o trem ou um ônibus.
- Você se sente invadido?
- Não, é cíclico, mas não invasivo, complementar, em um sentido mais amplo. Mesmo assim não é isso o que mais me apraz, existe algo a mais, algo além do que há por si só, algo além de mim, tange o metafísico em essência a engendrar o vislumbre em si enquanto forma renovadora.
Irrompe na matéria pulsante enquanto luz desbravadora, acontece no mesmo tom carmesin do opulento crepúsculo, e se desfaz em pronto divagar de si na forma dos mesmos tentáculos que lança a mim na escuridão.
Afaga a nuca com dedos mornos a embalar cabelos envoltos em chamas. Nas chamas o brilho reluz na aurora do minuto a passar em ânsia. Existe algo inexplicável, esse algo manter-se-á dessa forma. Vem sei não és dado aos enigmas da alma e dos planos dados ao espírito.
Bem sei, mas é como adentrar um rio durante a madrugada quente, onde as pedras sempre são banhadas por águas geladas e a alma acolhe o frio de boa a pura vontade. Por pura e adorada vontade desfeita em flor a deleitar-se no puro rio. E tudo desdobra-se em perfeito fluxo, tão perfeito quanto o rio, como a natureza em si.
-Vejo que muito mudou, então. Mudou naquilo que tange o conteúdo, isso é deveras importante, ainda mais ao falar de si sem interpor barreiras diversas. É essa mudança que o impede de sentar-se senão no chão?
- Não! Esse estofado. Entrar aqui é como estar despido de todas as defesas, é incompreensível conseguir repousar o corpo sem defesas em um lugar desconhecido e estranho.
- Justo.
- Então, o que há de novo senão a renovação da esperança? Eis à luz da nova aurora onde desfaleço pesadamente ao lado da própria ideia, uma presença que, mesmo ausente enquanto princípio físico, completa de forma bela e despudorada.
Por isso meu caminhar ébrio retorna ao ponto onde se enlaça o recomeço, sei o aspecto denso dessa divagação, mas o que mais eu poderia fazer além de falar de mim mesmo em uma perceira pessoa?
- Entendo.
- Pois é.
Aos passos silenciosos do relógio, Franz percebe seu tempo chegando ao fim. Há algo além do mero caminhar de volta, estranhamente há um novo brilho no sol, até o farfalhar das árvores é sonoramente mais aprazível.

Há algo novo a pulsar. Ele entra no carro, gira a chave, acelera e sente o calmo palpitar no peito.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Dupla Autoria & Orgasmos Múltiplos

Teu rosto brilhava no reflexo do fio de luz que entrava pela janela. O ocaso distendia seus tentáculos e a bruma tomava conta do lado de fora. Eis, então, defronte ao espelho tua pele reluzia o encanto dos vapores. Teus lábios mergulhavam de vez em vez na taça de vinho. Em algum nível obscuro camuflavas um olhar tímido e cruel.
Vestias uma fina pele, mesmo com a noite morna, não deixaste de lado a pele. Sentado do outro lado do quarto, eu te observava com um riso debochado e sádico. De fato fui maldoso ao te amarrar próxima a cama e sentar-me numa poltrona mais afastada, a bem da verdade, te observar me fazia tomado por deliciosos arrepios.
Há duas horas teu corpo sofria com os meus toques e tua libido encalusurada por amarras de seda, sofria com o efeito do mesmo veneno. Teu sexo fustigado pelos meus dedos jazia embebido em néctar enquanto tuas pernas tinham espasmos a cada toque dos meus dedos. E eu voltava a sentar e te observar.
Eis que me ajoelho ao teu lado, beijo de leve tua boca enquanto minha mão sobe pelas tuas pernas. Mordo teu lábio, a mão sobe pela tua perna...Teus seios expostos sob a pele, mordo; minha mão toca teu sexo molhado, brinco com os dedos. Sinto tua respiração forte e teu sexo pulsando. Volto pra tua boca, enfio os dedos entre as tuas pernas... te beijo enquanto meus dedos se contorcem dentro de ti.
Paro.
Encho a boca com um gole de vinho, te beijo de novo, o vinho escorre pela tua boca e mancha o teu corpo. Levanto e saio.
“Vais suportar meus devaneios por uma vida inteira?” – “Sim.” Tu me respondes.
Surrar-te nos meus amores, te morder em desvarios, tocar teu sexo como quem profana o sagrado. Deleitar-me com teu gozo e afoito te tomar nos braços como um déspota piedoso e dono dos teus amores. Despontas na dor o rubro do teu sangue na tua pele pálida.
Então te entregas ao teu dono a adentrar teu corpo em fálico amor que vibra uníssone ao pulsar do próprio coração. Eis teu sexo a me engolir, faminto, molhado, sedento... Fodo como quem procura a fonte da vida. Tuas mãos amarradas ainda te impedem de qualquer movimento, te invado como uma explosão de calores.
Na única reação capaz de esboçares “Sou tua escrava”, replico em tom quase inaudível “Sou teu dono”.
Permita-me te contar uma história, nem sempre fui o martelo, já fui bigorna, como diria Fausto, “na vida ou tu és a bigorna ou o martelo”, e eu fui bigorna. Lembro-me, estremeci ante a face debochada e impiedosa, calei-me entre tapadas e chibatadas.
A mão pesava sobre meu corpo dilacerado em arranhões, as marcas dos dentes formavam o mais belo e cruel mosaico. Em um trocar de segundos, ela se transformara na mais impiedosa das amantes. Carne, unhas; os cabelos brilhavam em ardentes chamas voluptuosas. Ao me tomar com os lábios, mantinha a certeza de que não me faltassem arranhões pelas pernas. Amarrado, assim como estás agora, eu era tomado pelos golpes mais amorosamente desferidos.
Eu poderia tremer frente ao açoite, mas não, eu, ultra-sensual libertino, estava entregue às mãos da minha impiedosa Vênus. O gozo volúvel tomou conta de nós dois, incontrolados e sem razão, essa foi a forma como ficamos eu e ela.
- Por qual razão fazes isso, desgraçado? Me consome em delírios com as tuas palavras, tuas libertinagens.
- Não percebes que falo de ti, minha musa? Não percebes que foste a única a completar-me nos mais perturbadores delírios?
Tuas mãos imóveis foram desamarradas, teus braços marcados pendiam trêmulos como teu corpo. Te levei no colo até a cama, depositei teu corpo sobre os lençóis aquecidos, bebi outro gole de vinho, beijei tua boca enquanto minha mão brincava entre as tuas pernas molhadas. Mordendo tua boca, penetrei teu sexo. Era fogo e gasolina, teu sexo quente me abraçava como uma amante doentia.
Eu sentia tuas unhas marcando as minhas costas, procuravas o meu pescoço, minha boca, mordias... Trepávamos como o mesmo furor da jovialidade, o que mudara foram as marcas deixadas por nós em nossos corpos, eternas lembranças.


O gozo jorrou quente, queimando tudo pelo caminho, teu corpo embebido com meu líquido vibrava junto ao meu. Um beijo, um olhar. O mesmo carinho pervertido dos perturbadores amores.

Frederico Fagundes e Jessica Pinheiro.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Espelho no teto.

Obtuso à imagem de si, no lusco-fusco onde retrai sua própria existência para então a distender em direção a outrem. Reflexo da escolha no ato do encontro entre nos nossos corpos encolerizados de tesão. Como fogo a crepitar sob uma garrafa de gasolina, é dessa forma que esse olhar pedante observa o tirar das tuas roupas.
Teus cabelos em chamas a cortar o ar como um espetáculo de fogos de artifício; e é no reflexo do espelho que tua imagem se torna infinita e desdobra-se ad aeternum. Resplandece no teu pouso em leito ímpia embriagar-se no no ébrio corpo que penetra teus sentidos e derrama em ti o gozo eterno.
Eis, entre tua pele e teu sexo, entre tua alma e teus amores onde repousa pacífico o tênue limiar entre a dor e o prazer; lugar donde, pelo espelho, vejo o sangue rubro a escorrer em carne e desfolhar na dor nossa sinfonia de prazeres.

Perverso o olhar que te encara. Regado ao escárnio da tua pergunta – Quem é tua dona? – debochado e petulante olhar que penetra tua alma e te estremece ao peso do próprio gesto. E é nesse lugar, no espelho, onde se dissipa a essência ultra-sensual, o amor dos nossos corpos percorre a alma em um piscar de olhos.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Do nefasto ao impropério da jovialidade

Aventureiros ou, também chamados, ladrões de tumbas sempre faziam suas riquezas nas épocas de intensa enfermidade, alguns eram nobres e outros apenas compunham a grande massa, os pobres. Talvez, se a prostituição é a mais antiga forma de trabalho para a mulher, com quase toda a certeza, o roubo o era para os homens.
            Afora bandidos comuns, aqueles desprovidos de audácia e técnicas de subterfúgio, existiam os ladrões que possuíam algum tipo de especialidade, um desses grupos eram os ladrões de tumbas. Estranho pensar dessa forma, mas a época conceitualizou bastante o grau de dificuldade e “nobreza” desta “profissão”. Os padres, figuras representativas de Deus, detinham o poder sobre as mentes e riquezas de quase todos. O misticismo ordenava a vida das pessoas; tumbas, sarcófagos, mausoléus eram, praticamente, lugares amaldiçoados. Os nobres eram sempre enterrados com suas jóias e em seus mausoléus repousavam seus pertences mais valiosos, é nesse ponto que começa a história.
            Johnnie era um destes andarilhos, nasceu sob o véu da pobreza, tinha seu pai com os olhos vazados e sua mãe provia o alimento de uma pequena horta no fundo da casa. Os feudos exarcebavam todo seu poder e riqueza, os nobres enclausuravam-se em seus aposentos, pois temiam a praga e os plebeus.
            Aos dezoito anos completos,  Johnnie perdeu seus pais para a praga. Enterrados em cova rasa – por sorte, pois muitos não tinham tamanha benção e eram empilhados dentro de um buraco - , o (sobre)vivente não tinha mais escolha, o mundo devastador e cruel o chamava para a morte. Como a maioria dos pobres, não tinha instrução alguma, contava apenas com seu grande porte, sua perspicácia e seu carisma, as únicas armas que, no momento, nosso herói dispunha, além de um pequeno punhal, contudo, de fato, nem como arma o pedaço de metal podia ser classificado.
            Com a Europa, quase em sua totalidade, devastada pela praga, empregos já não mais existiam, as poucas mulheres saudáveis vendiam seus corpos por qualquer moeda de ouro e os soldados temiam por invasões.
            Em uma taverna quase vazia, um homem encapuzado estava sentado em um dos cantos, fumava de um cachimbo longo e curvilíneo, ninguém o conhecia e muitos o temiam, de fato a aparência era assustadora. O homem tem sua atenção chamada enquanto o rapaz adentrava o lugar.
            - Sente-se aqui, rapaz. Anda, senta. É seu tipo mesmo que procuro.
            - Meu tipo? O que queres? Não o conheço.
            O sorriso carregado de ironia já era prelúdio do que esperava o jovem. Não que um sorriso carregado de ironia sempre esconda más intenções, mas com certeza boas não eram.
            - Nomes não interessam, meu jovem. Apenas quero lhe oferecer um trabalho honesto. Os tempos são negros e, pelo seu jeito, não tens de onde tirar o pão para comer. Qual trabalho não é honesto quando se trata de encher a barriga?
            Adiante da conversa, pois não se faz tão necessária. Mesmo com um porte majestoso, o rapaz teve qualquer erudição e boa retórica ceifadas pela pobreza... Johnnie consternado com a oferta segue seus pensamentos e se despe de toda sua pudicícia e medo. O homem tinha razão, em tempos de doença e fome nenhum trabalho é desonesto. Mas a idéia de violar o templo dos mortos lhe soava por demais macabra, claramente, com criação católica um menino temente a Deus, em sã consciência, não aceitaria sem mais demoras tal idéia. – O dinheiro falara-lhe mais alto.
            Incumbido de sua primeira “missão”: As pérolas da condessa. Para Johnnie tudo parecia simples, superados os medos, era apenas entrar no mausoléu, abrir o caixão, retirar do pescoço da falecida as pérolas, sair sem deixar rastros e o dinheiro saciaria sua fome.
            Chegada a noite do grande momento, os mais nefastos pensamentos tomavam conta da cabeça deste herói. O medo causava repulsas, a vontade de vomitar era constante. O temor de cemitérios lhe era constante à luz do dia, quem dirá a noite, momento em que as almas estão à solta.
            O cemitério era grande e repleto de mausoléus, no caminho algumas sepulturas violadas, esqueletos revirados sob a terra, ratos; cada ícone desta moldura era um peso na balança do terror. O céu estava nublado e havia prelúdio de chuva. O ladrão novato seguia firme, poupava-se dos tremores que os ratos lhe causavam, andava pelas sombras e o mais rápido que podia. O coveiro morava em um casebre ao lado do cemitério e essa era uma das preocupações mais salientes.
            Após alguns minutos de caminhada, Johnnie chega ao passadiço do mausoléu. O tamanho do lugar era maior do que a casa em que viveu sua vida inteira, - antiga casa, pois depois do passamento de seus pais a casa havia sido queimada, afim de não restar nada da peste. A arquitetura gótica do lugar causava-lhe pânico, por anos a igreja lhe serviu de abrigo dos invasores, e agora ele é o invasor. Empurrou a porta. Ao adentrar o recinto sentiu um agradável aroma de lírios e jasmins que enfeitavam a sepultura da condessa, inebriado, o ladrão percorre os quatro cantos do mausoléu. Aturdido pelo aroma e beleza do lugar, senta-se no chão e divaga sobre as belezas da nobreza.
            Findada sua divagação, ele levanta e observa o caixão por alguns minutos. Admira a beleza de todas as coisas que a riqueza provém. Estático pensa se o que estava a fazer é certo; afasta os pensamentos e mantém seu foco no que lhe é, realmente, importante.
            Abre a tampa do caixão, o frio permitira ao corpo manter-se inteiro, não havia mau cheiro; sob a mortalha o semblante mais se assemelhava a imagem de uma boneca, tamanha era a perfeição daqueles traços, o cheiro da pele, as roupas. A pele branca facilmente confundir-se-ia com o branco dos lírios e jasmins que enfeitavam o mausoléu. Ele não conseguia desviar o olhar daquela beleza encantadora, jamais vira uma dama tão linda, jamais fitara tamanha beleza. Seus pensamentos voltaram-se apenas para a serena nuance daquela bela que logo após ser desposada padeceu à febre.
            O desvario do rapaz se torna visível às almas penadas que por ali caminhavam, uma sensação tomou conta daquele corpo, até então, inocente. Não resistindo ao impulso, Johnnie toma nos braços a defunta beijando sua tez, o pescoço. Coloca o sudário no chão e repousa o corpo sobre o tecido. Se despe das roupas – o frio não era mais problema agora – retira vagarosamente cada peça de roupa da falecida; absorto pela visão daquele magnífico corpo, se entrega aos beijos incansáveis. Fora como se a vida tangesse novamente a condessa que, nos braços daquele necrófilo punguista, tinha sua morte violada e seu ventre preenchido pelo líquido seminal de um ladrão.
            Debruçado sobre o corpo da condessa, ainda sofrendo de tremores, o necrófilo desvairado retoma a plenitude de suas faculdades mentais – que de plenas só possuem a insanidade – e percebe seu louco desvario. Foi como se a peste o acometesse, como se o fel se derramasse sobre seu sangue e tocasse o cérebro; despido, incontrolável. O jovem padecia sobre seu próprio veneno.
            Inconformado com tamanha atrocidade saca o punhal herdado do pai, desfaz-se de sua própria vida... Seu sangue inebriado em volúpias se esvai. Suas últimas palavras: - Ao lado da única que amei.

            Talvez pareça tolo, mas é fato que essas atitudes eram comuns entre os ladrões de tumba, muita vezes o frio acalmava a peste e mantinha corpos intactos. Era a maneira de saciar a libido e esconder-se da inquisição, pois essa nem os julgava, apenas condenava a fogueira. Pouco se sabe sobre estes ladrões, a fama não passava de algo escondido sob os tapetes de um submundo criminoso instaurado na época, nomes jamais eram revelados. Grande perda para a história, pois quando a peste negra atacou a Europa, além dos nobres, eram os ladrões e as prostitutas que moviam a economia.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Inação

Coisa. O verbo não verbo de sua própria impureza. E então o verbo, logo vida. O finito infinito do fim, eis sua morte. Tudo estático no imenso vazio, flores sem vida, rios igualmente sem vida, silêncio. A imensidão do tédio no mundo inanimado das coisas vivas. Uma camada plástica, apenas maquiagem, máscaras, sufocamento, arrepios. O sangue morno no rosto, um calafrio.
Crime. A ação e morte no mesmo lugar do eterno.
O sopro, o verbo, a força das pás elétricas. Ele voltou, temos verbo.