domingo, 17 de janeiro de 2010

Estrada, ponte. Rio.

“Sim, repito. sou como um viajante da vida que de repente se encontre numa vila estranha sem saber como ali chegou; e ocorrem-me esses casos dos que se perdem a memória, e são outros durante muito tempo. Fui outro durante muito tempo - desde a nascença e a consciência -, e acordo agora no meio da ponte, debruçado sobre o rio, e sabendo que existo mais firmemente do que fui até aqui. (...) Espero, pois, debruçado sobre a ponte, que me passe a verdade, e eu me restabeleça nulo e fictício, inteligente e natural"

Não condizem ao pensamento errante de um simples poeta amargurado as razões da vida que encontra. Não de fatos e fados são feitos os meus versos, mas na candura que eu encontro meu espelho, trago em mente a imagem ébria dos meus sonhos, do profundo âmago solitário das noites febris que nossos corpos se encontravam, condiz ao termo que a força é espantosa deste rio desventurado.
Componho em estrofes cada breve pensamento, cada sentimento aqui velado, debruço-me sobre minha própria imagem e reflito: que nas noites que pela rua eu caminhava sentindo os passos e o vento, observara as folhas caindo sobre a terra molhada, meus pensamentos perdiam-se em meio a devaneios prolixos, minha razão se perdia em meio à tempestade que se formava dentro de mim mesmo e, sob perspectiva alguma eu mantinha controle sobre tudo aquilo, findava-se ali toda e qualquer existência sentimental, éramos apenas eu e o caminho, eu e a natureza, eu e meu mundo..Doce mundo construído sob os pilares dos meus anseios, doce poesia cruel a da realidade que o põe por terra a cada instante que abro os meus olhos e me deparo com toda essa imensidão da vida, com esse cenário doentio.
Continuo minha breve jornada que a cada passo me mostra um mundo diferente, ou senão, apenas me mostra as pegadas que deixei na terra molhada, pegadas em direção a ponte, pegadas em direção a mim. Por hora sinto meu coração extasiado pelo assombro da breve razão.
Deparo-me então, por um instante, comigo mesmo, meu reflexo estampado na água, ali próximo de mim, apenas eu e eu mesmo, o rio continua correndo e eu permaneço ali, estagnado no assombro da escuridão perplexo pela visão do meu reflexo, donde vem tamanha expressividade? Num repente me vejo novamente debruçado sob a guarda da ponte no, na plena escuridão da noite, mil pensamentos invadem minha mente, mas de todos eles, apenas o silêncio que me envolve, de toda a expressividade que por instantes eu vi na água, simplesmente desaparecem como a fumaça some no ar.
Novamente respiro, meu corpo se inunda com o ar fresco da noite e minhas idéias já tornam a fluir, naquela garrafa de vinho eu vi minha poesia, os goles que me queimavam os lábios traziam consigo a inspiração que minh’alma tanto necessita, mas seria peripécia de Mefistófeles eu crer que posso entender toda essa essência sob o aspecto do eterno: difundido entre os meus mais vis pensamentos, dentre meus mais sádicos desejos e entre os meus mais voluptuosos desejos? Creio não ser aquele que cria, mas sim aquele que destrói conceitos pré-definidos, pois vivo cada momento, cada instante, não como se fosse o último, mas sim como o anterior ao próximo. Pela estrada eu continuo andando ao mesmo tempo em que na guarda da ponte continuo debruçado, pela estrada passo a vida andando e na ponte vejo a vida passando.
E o rio? Continua correndo desventurado, sem limites e sem rumo, nunca sendo o mesmo, assim como eu.

5 comentários:

Ana Al Izdihar disse...

Entendo mais ainda a sua motivação pra escrever e sua inspiração... Qd vc diz q não é a aquele que constrói e sim o q destrói... é somente o anterior ao próximo! E a profunda observação da vida ao remerter-se ao rio de Heráclito!

Nossa q texto lindo! Há tempos q não leio um romântico quase impressionista!

Anônimo disse...

vc é de longe meu escritor favorito,super intenso e lindo!=**

mhiato disse...

"e o rio?

- ele é o meu reflexo. de margens calmas, porém, sempre há um redemoinho que faz transcender o óbvio e se traduz em mim."

Você difere do óbvio...
eu gosto disso!

Unknown disse...

O que assemelho a mim vindo de ti é a aparente total insatisfação com o que vivemos, ou na era em que vivemos, como se sempre estivéssemos buscando o passado, supostamente diferente ou um futuro que nos remeta ao passado e a sua intensidade de amores e sabores que não existem nos dias de hoje.

Mas não gosto de referências Tio haha. A escolástica deprecia o homem.

Abraço!

† Fred 69 disse...

Acho que o que deprecia o homem é a falta de conhecimento.
As maneiras de adquiri-lo forma as diferentes opiniões.